11/07/2004

Padre António Vieira - Analogia com a Árvore

Sobre como há-de ser um sermão:
«Um sermão há-de ser de uma só cor, há-de ter um só objecto, um só assunto, uma só matéria. [...] Não nego nem quero dizer que o sermão não haja de ter variedades de discursos, mas esses hão-de nascer todos da mesma matéria, e continuar e acabar nela.

Quereis ver tudo isto com os olhos? Ora vêde. Uma árvore tem raízes, tem troncos, tem ramas, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos. Assim há-de ser o sermão: há-de ter raízes fortes e sólidas, porque há-de ser fundado no Evangelho; há-de ter um tronco, porque há-de ter um só assunto e tratar uma só matéria. Deste tronco hão-de nascer diversos ramos, que são diversos discursos, mas nascidos da mesma matéria, e continuados nela. Estes ramos não hão-de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão-de ser vestidos e ornados de palavras. Há-de ter esta árvore varas, que são a repreensão dos vícios; há-de ter flores, que são as sentenças, e por remate de tudo há-de ter frutos, que é o fruto e o fim a que há-de ordenar o sermão.

De maneira que há-de haver frutos, há-de haver flores, há-de haver varas, há-de haver folhas, há-de haver ramos, mas tudo nascido e fundado em um só tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos, não é semão é madeira. Se tudo são ramos, não é sermão são maravalhas. Se tudo são folhas, não é sermão são versas. Se tudo são varas, não é sermão, é feixe. Se tudo são flores, não é sermão é ramalhete. Serem tudo frutos, não pode ser, porque não há frutos sem árvore. Assim que nesta árvore, a que podemos chamar árvore da vida, há-de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores, o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos, mas tudo isto nascido e formado de um só tronco, e esse não levantado no ar, senão fundado nas raízes do evangelho: Seminarem semen. Eis aqui como hão-de ser os sermões, eis aqui como não são. E assim não é muito que se não faça fruto com eles. »
In Trechos selectos do Padre António Vieira:1697-1897. Lisboa: Typ. Minerva Central, 1897.

3 comentários :

João Soares disse...

Eis aqui também um "lembrete" aos senhores do Mundo, que com ganância e "dividindo para reinar" dizimam a ARVORE DA VIDA: a Biosfera/ o Património Biológico.
Vamos em frente...SEMPRE!!
Já coloquei o link para o Dias Com àrvores no meu BioTerra
Um beijinho e abraço

Maria Carvalho disse...

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós
De dia e de noite.
Sempre sós.

(...)

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.

António Gedeão, Poemas escolhidos (1996)

SILÊNCIO CULPADO disse...

Esta analogia do Padre António Vieira é simplesmente impressionante. Este blogue sabe captar as mensagens fortes, seleccioná-las e dar-lhes harmonia de conjunto.