31/10/2004

Tristes choupos- Póvoa



Fotos: manueladlramos 0410 - Póvoa de Varzim
Recentemente referiu-se aqui uma notícia sobre um projecto de um parque de estacionamento subterrâneo ao longo da Avenida Mouzinho de Albuquerque, na Póvoa de Varzim; projecto esse que preveria o desaparecimento da «actual faixa central para peões - onde pontificam grandes e frondosas árvores cujas raízes tornaram o pavimento ondulado -», segundo as palavras do repórter do Público.
Há cerca de uma semana resolvi ir verificar que "frondosos" espécimes seriam esses: acontece que essas árvores há muito deixaram de "pontificar" o que quer que seja, tendo sido vítimas dos maus tratos repetidos dos serviços camarários encarregues das podas (ou que delegam esses serviços a madeireiros ?).
São uns tristíssimos choupos que já andaram aliás nas bocas do mundo* devido à última poda/mutilação a que foram sujeitos há cerca de dois anos. Eu própria (estarrecida) os vi nessa altura. Fui agora visitá-los de novo: as últimas folhas do ano recobrem, se bem que não completamente, os ramos mutilados -derradeiro recato antes do despudorado espectáculo a que são sujeitos durante o Inverno. É confrangedor!
Por isso há bom tempo que essas árvores deviam ter sido dali tiradas, e se o fizerem e recolocarem outras esperemos que haja competência no seu tratamento e não se repita o desatino.

*Foram até objecto de intervenção da SPA (Sociedade Port. de Arboricultura).

Encomenda

Desejo uma fotografia
como esta - o senhor vê? - como esta:
em que para sempre me ria
com um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta
nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.

Cecília Meireles, Vaga Música (1942)

30/10/2004

«Si hortum in bibliotheca habes, deerit nihil»- Cícero

Árvores do Jardim do Carregal #1


Fotos: pva 0410 - Pseudotsuga no Jardim do Carregal

O Jardim do Carregal, um dos mais maltratados numa cidade que nos últimos anos declarou guerra de morte aos seus jardins, guarda, apesar da sua diminuta área, uma preciosa e diversificada colecção de coníferas de que não conhecemos paralelo em jardins públicos portugueses.

Pode ser que o conhecimento de um tal património ajude quem nos governa a compreender a urgência de recuperar este histórico jardim (inaugurado em 1897): é pelo menos essa uma das motivações para aqui iniciarmos uma série sobre algumas das suas notáveis árvores.

A nossa árvore inaugural é uma Pseudotsuga menziensii, espécie algo rara em jardins. No Porto há mais alguns exemplares - por exemplo no jardim do bairro social à face da Rua de Gonçalo Sampaio, no Jardim da Arca d'Água e no jardim da Comissão de Coordenação da Região Norte, estes últimos de porte e idade consideráveis - mas o do Carregal é talvez o mais esbelto. No resto do país, e segundo Ernesto Goes no livro Árvores Monumentais de Portugal, há dois povoamentos importantes de Pseudotsugas, na Serra da Estrela (Manteigas) e na Serra da Padrela (Vila Pouca de Aguiar).

Esta conífera da família Pinaceae é originária da costa oeste dos EUA e do Canadá, e atinge comummente, no seu estado natural, alturas superiores a 70 metros. É semelhante a um abeto, mas tem uma copa mais irregular e as suas pinhas são inconfundíves, com umas línguas de três pontas a emergirem por entre as escamas.

29/10/2004

Alienações

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Fotos: mdlr-0402 / Jardim da Cordoaria
« (...) É doloroso e patético ver na Cordoaria os aposentados exercendo o seu direito ao lazer e ao convívio, jogando cartas em posições incríveis, de lado, a três quartos, a cavalo, de pé ou acocorados nos abomináveis bancos de pedra que o pós-modernismo impôs urbi et orbi para suplício dos desgraçados que ainda usam a cidade. Uma vergonha. (...)» Helder Pacheco in "Requalificação Urbana" (JN, 28-10-04)

Esta crónica do distinto historiador da nossa cidade fez-nos procurar nos nossos "arquivos" algumas imagens que têm estado à espera de oportunidade de publicação.
Como disse JCM, que nos chamou a atenção para este texto, «Finalmente começa a haver (além de nós...) quem ouse criticar os monstros sagrados da nossa arquitectura genial e do nosso paisagismo de trazer por casa.»


Fotos: mdlramos- 0310/ Av. Montevideu
Talvez mais ainda do que os do Jardim da Cordoaria, os bancos individuais e desconfortáveis dos passeios ajardinados da Av. Montevideu são mostra da total alienação de quem os concebeu relativamente às necessidades e aos gostos das pessoas de carne e osso que frequentam este espaço. Nem mesmo os namorados (neste caso um casal de meia-idade) os devem achar confortáveis por muito tempo.

«Obras de Outubro...

...Conforme Avicena - Neste mês se deve vindimar nos lugares enxutos e tardios; é muito boa ocasião para semear todo o género de grãos que servem para pão, como trigo, centeio, cevada e outros semelhantes. Podem semear-se favas e tremoços.
Devem colher-se as bolotas, castanhas, avelãs e todas as frutas do tarde (sic). Podem plantar-se cerejeiras, gingeiras, pereiras e macieiras.
Se neste mês se ouvirem os primeiros trovões do ano, mostra haver tempestades de vento, e comoções nos ares; carestia de pães e frutas, com pouca vindima e morte de peixes e gados nos lugares em que se ouvirem.

Segundo o Almanaque do Horticultor - (...) Arvoredos: Nesta época as árvores privadas dos seus frutos, despojam-se também das suas folhas. "É este o momento, diz A. Dumas, segundo experiências feitas, mais oportuno para fazer-se a poda em toda a casta de árvores."
Neste mês devem colher-se os frutos de Inverno aproveitando o tempo seco, e com preferência de tarde, depois que tenha cessado o calor. Não há grande vantagem em apressar a colheita destes frutos, antes se ganha em os obter mais volumosos e de melhor qualidade, deixando-os na árvore até à queda das folhas.
Se houver chuvas, deve proceder-se à plantação do eucaliptus nos sítios em que os frios não sejam muito rigorosos. (...)»

in Lunário e Prognóstico Perpétuo para todos os Reinos e Províncias por Jeronymo Cortez Valenciano. Reformado e muito acrescentado. Porto : Lello & Irmão, 1980 (obra original do séc. XVIII)
Obras de Julho - Obras de Agosto - Obras de Setembro

28/10/2004

In my bedroom


© Maurice Sendak from WWTA (Where the Wild Things Are)

Alguém viu o eclipse? Eu estava com tanto sono, que adormeci em pé...

A propósito do eclipse

«Os americanos, através do radar, entraram em contato com a lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.

Aconteceu que no meu quintal, em um monte de terra trazido pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim - mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro na frente da casa. Secaram as pequenas folhas, pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo veio um amigo e declarou desdenhosamente que na verdade aquilo era capim. Quando estava com dois palmos veio outro amigo e afirmou que era cana.

Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança as suas folhas além do muro - e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais - mas é diferente. Um pé de milho sozinho, em um canteiro, espremido, junto do portão, numa esquina de rua - não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas - mas na glória de seu crescimento, tal como o vi em uma noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, as crinas ao vento - e em outra madrugada parecia um galo cantando.

Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores belas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que fazem bem. É alguma coisa de vivo que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. E eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador.»

Rubem Braga, Um pé de milho (1945)

27/10/2004

Uma flor no labirinto


Foto: pva 0410 - Parque de S. Roque (Porto)

Este labirinto é dos fáceis: as circunferências concêntricas de buxo (Buxus sempervirens) formam um desenho quase simétrico, e as passagens transversais entre os anéis parecem distribuir-se a intervalos regulares; visto do patamar superior de onde a foto foi tirada, tem a nitidez de um diagrama geométrico. Não é desafio para um adulto, pois a sebe, que atinge pouco mais de um metro de altura, não lhe tolhe a visão; e mesmo uma criança dificilmente se sentirá perdida nos seus previsíveis meandros.

É pois com um encolher de ombros que um apreciador de labirintos reagirá a tão pobre criação (que, registe-se, nem sequer é original, pois o labirinto de S. Roque é cópia de um outro na Quinta da Prelada). Mesmo a secção de passatempos do jornal dominical lhe traz exemplos mais aliciantes. E o melhor é nem invocar o famoso labirinto de Hampton Court, construído num tempo e para uma classe em que o entretenimento era a ocupação de uma vida inteira. Hoje em dia, a criança aprende desde cedo a não brincar: aos dez anos é crescida demais para andar de baloiço, e até o labirinto já perdeu toda a graça.

Fiquemo-nos pelo labirinto como adereço da paisagem, e aí só temos a ganhar. Vemo-lo bordejado de camélias, e quando elas florirem teremos, mesmo os adultos, bom pretexto para reavivar o espiríto lúdico: qual o melhor caminho para aquela flor? E no centro da foto, pinceladas com tons laranja, vemos duas árvores, a mais alta um carvalho-americano (Quercus coccinea) e a outra uma faia (Fagus sylvatica), marcadas pelo Outono que atravessamos.

Folhagens

Há árvores de folhas persistentes
e outras, cujas folhas são caducas.
Mas o que me faz confusão,
é que andem nuas no inverno
e vistam um sobretudo de folhas
no verão!

Jorge Sousa Braga, Herbário (1999)

26/10/2004

Tílias - Palácio de Cristal

Avenida das Tilias em Outubro

Avenida das Tílias -Sábado de manhã
Se o vento as não despir antes completamente, ainda as veremos douradas.

O "espírito" do chá


Fotos: manueladlramos -0302

A propósito da fotografia da Camellia sinensis ou planta do chá aqui publicada, transcrevo algumas passagens do texto que acompanhou a demonstração do ritual do chá realizada no VIIº Encontro sobre aTradição Chinesa (Fevereiro 2002) no Convento da Arrábida, pela minha amiga e professora Sun Lam*.

«I-O chá e a cultura chinesa : Na tradição intelectual chinesa, o chá não é apenas um bebida. Constitui uma arte ritual e espiritual- é uma atitude, um momento de "beau plaisir", de repouso, de intimidade entre amigos, de harmonia com a natureza.
O "espírito do chá" reflete-se nos seguintes pensamentos/conceitos chineses:
"qian he"- humilde e gentil para os confucionistas;
"tiao he yin yang wu xing" -equílibrio do yin/ yang e os cinco elementos para os taoistas;
"Chan cha yi wei" -o gosto idêntico do Zen e do chá;
o "ku", o amargo sabor da vida para os budistas.

II- O ambiente para tomar chá: Para os intelectuais/letrados chineses, o local ideal para tomar chá é -Debaixo dos bambus e dos pinheiros; -Perto dos rochedos e das fontes; -À luz da lua ou ao sopro da brisa fresca -Em frente a uma janela clara e transparente. (...)

III- A água: amiga do chá: Há três categorias de água- a melhor é a da nascente da montanha; a seguir a dos poços e a menos boa, é a dos rios. (...) A temperatura ideal da água: para os chás verdes, 80º; para o chá Oolong: 90º. A observação da temperatura da água segue dois critérios: "o vento soprando do bosque dos pinheiros" (cerca de 75º), "olhos de peixe emergindo da fonte" (cerca de 85º) (...)»

(Traduzido de L'art chinois du thé- Démonstration du rituel et dégustation du thé chinois, Sun Lam)
* Docente do Centro de Línguas e Culturas Orientais (ILCH) da Universidade do Minho. Para saber mais sobre a atradição chinesa do chá, ler a versão completa, O chá na cultura chinesa, no site do referido centro.
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25/10/2004

Reciprocidades

Há pouco mais de uma semana (no dia 15)o nosso contador de visitas subiu, subiu inesperada e inacreditavelmente! O que teria acontecido de repente? De onde viria toda aquela afluência? Todos aqueles súbitos amantes de árvores?
Não tardámos a descobrir a razão para tal abrupto incremento no número de visitantes. Devido a alguém declaradamente amante de coisas simples e de ar puro, e de árvores, também. Agradecemos nós por elas. Devemos ter arranjado (as árvores e nós) alguns amigos pelo caminho. Foi bom!

Chá das cinco


Fotos: pva 0410 - Parque Biológico de Gaia

Eis uma planta de que todos conhecem a fama e o gosto mas que poucos terão visto de perto: a Camellia sinensis ou planta do chá, bebida preparada por infusão das suas folhas secas e fermentadas. Em Portugal, é só na ilha de S. Miguel que ela é cultivada para fins comerciais, dando origem à marca Chá Gorreana. E como, em valor ornamental, a flor e o porte a deixam a grande distância das camélias mais vistosas (a japonica e a sasanqua), é muito raro encontrá-la em jardins.

A bebida é apreciada pelos orientais desde a antiguidade, mas só em meados do século XVII o hábito de consumir chá se disseminou no Ocidente. A nós, entusiastas de camélias e muito esporádicos bebedores de chá, interessa sobretudo mostrar aos nossos leitores a semelhança da flor desta planta com as das suas congéneres mais elegantes.

24/10/2004

Boa Notícia # 2 - Paisagem e Literatura

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"A menina de Bronze"- Jardim Botânico
Subordinada ao tema "Literatura e Paisagem " teve lugar no Jardim Botânico do Porto uma conferência organizada pela Faculdade de Ciências da Univ. do Porto e pela APEP - Associação Portuguesa de Ecologia da Paisagem .
Apesar do nosso interesse, não pudemos participar no evento que decorreu sexta e sábado (e que incluía uma visita a Tormes). Ler notícia no JN (23/10)
Relacionados: Paisagem - O nosso jardim de Sophia - Jardim reservado

"Por uma tarde fosca de Outubro..."

«(...) Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro, chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares. Trazia no bico uma bolota, um pouco menor que o bolo que o corvo costumava levar à cova de Daniel, mas para ele mais importante. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada, quando deu com os olhos no mariolado vizinho com quem bulhara uma Primavera inteira por causa da gaia, depois sua mulher. Já esse tal, rancoroso e mau, dava jeitos de querer investir, penas riças, garras desembainhadas, a asa possuída de frenesim. Que remédio senão preparar-se para o receber condignamente!
E deixou cair a glande. Esta foi bater na face zenital dum velho toro, saltou de ricochete para o lado, e aninhou-se muito aninhada num monte de folhas secas e argalhos. Ninguém a via, nem ela via a mais pequena nesga do mundo.
Os dois gaios, depois de trocarem muitos gritos de cólera e darem a sua bicada, mas sem que corresse sangue, despediram. O mais rela e pundonoroso pulou ao chão a procurar a sua rica bolota. Procurou, tornou a procurar pincharolando dum lado para o outro e introduzindo por toda a parte, taladas e covilhas, o olho finório e matuto, mas nada descobriu. Soltou duas ou três vezes a sua voz ralhada a conjurar os deuses daquele desaforo, perdeu a paciência. E saraivando, batendo a asa, ainda meio atrida da rixa, lá foi para outro carvalhal onde havia que pilhar.
A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem o sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim?
Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.(...)
Ora, certa manhã de Outono... »


Aquilino Ribeiro -A casa grande de Romarigães: crónica romanceada (1957). Lisboa : Bertrand, cop. 1985
Anterior: O nascer do Sol

23/10/2004

Carvalho-cerquinho

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Foto: Fontes Vieira, 2004

Esta bela foto de um monumental carvalho-cerquinho (Quercus faginea) em Pedreiras - Porto de Mós (distrito de Leiria) foi-nos enviada por João Gomes, editor de Vistas na paisagem, a quem muito agradecemos. A foto mereceu o primeiro prémio de um concurso fotográfico sobre esta espécie organizado em 2004 pela Liga de Protecção da Natureza.

Ficamos cheios de vontade de conhecer de perto esta gloriosa árvore e as suas irmãs.

22/10/2004

Os nomes das árvores #1 - actualização

A resposta a uma pergunta enviada ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa sobre as designações de árvores, formadas por palavras compostas com nomes próprios deu azo a alguns comentários discordantes (e interessantes). Estes foram comunicados entretanto ao Prof. D' Silvas Filho que muito simpaticamente nos respondeu. Ver aqui.

Jacinto e os nomes das árvores...

«E o que esse Príncipe, nesta tarde, me esfalfou! Farejava, com uma curiosidade insaciável, todos os recantos da serra! Galgava os cabeços correndo, como na esperança de descobrir lá do alto os esplendores nunca contemplados de um mundo inédito. E o seu tormento era não conhecer os nomes das árvo­res, da mais rasteira planta brotando das fendas de um socalco... Constantemente me folheava como a um Dicionário Botânico.
- Fiz toda a sorte de cursos, passei pelos professores mais ilustres da Europa, tenho trinta mil volumes, e não sei se aquele senhor além é um amieiro ou um sobreiro...
-É um azinheiro, Jacinto.
Já a tarde caía quando recolhemos muito lentamente.
E toda essa adorável paz do céu, realmente celestial, e dos campos, onde cada folhinha conservava uma quietação contem­plativa, na luz docemente desmaiada, pousando sobre as coisas com um liso e leve afago, penetrava tão profundamente Jacinto, que eu o senti, no silêncio em que caíramos, suspirar de puro alívio.
-Tu dizes que na Natureza não há pensamento...
-Outra vez! Olha que maçada! Eu...»

Eça de Queiroz- A Cidade e as Serras (1901), Cap. IX, p. 243
(Ler cont. no site da BN sobre o autor.)

Tílias -Lamego

Panorama do primeiro lanço da escadaria do Santuário de Nossa Srª dos Remédios:
tílias despontando ao sol de Janeiro.

Fotos: mdlr 0401 -Lamego
Outra legenda possível: uma cidade que não se tornou completamente pelada mas que
(como tantas outras) penteia à escovinha as árvores do seu passeio público...
Veja a diferença: copas harmoniosas de tílias no jardim frente à Câmara Municipal.

21/10/2004

Em terra pelada, não cantam aves

«Eu adoro Lamego, mas, qualquer dia... deixo de lá ir. Consta-me que a velha cidade, para se modernizar, adoptou o único processo modernizador conhecido em algumas cidades e vilas portuguesas. Esse processo consiste em arrancar árvores e pôr no lugar delas o cimento armado em forma de pias, gamelas, caixotes, alqueires, quartas, meias-quartas e tudo o mais que seja frio, chato, liso, cúbico, prismático. Lamego, pelo que me consta, vai ficar sem uma árvore para ficar com miríades de pias - salvo seja. (...) Não concebo esta cidade sem grandes troncos e copas guedelhudas. Sinto mais que se derrua uma árvore do que se destrua monumento de outra espécie. (...) Pedras, só pedras, sem a doçura de uma mancha verde, só servem para cansar a vista. Lamego sem árvores é uma velha com o caco ao léu. É uma caveira. Poderá rir, mas, a respeito de sorriso, disse! (...)

O que acontece em Lamego tem acontecido em quase todas as terras do país. Os grandes reformadores de província reformam, destruindo. Se precisam de construir uma choupana, destroem um palácio. Se lhes falta um jardim, cortam um bosque. Se querem erigir um candeeiro, abatem uma árvore. (...) O lado perigoso da maior parte dos vícios reformatórios sertanejos está na complacência de toda a gente com eles. Se o maioral de uma terra quiser secar o rio que banha essa terra, ninguém lhe impede a obra secativa. Nas farmácias e nas barbearias, toda a gente murmura contra a mão secadora, mas, se essa mão surgir de repente a pedir uma barba ou uma pastilha, toda a gente a beija. Não me parece nobre de mais esta atitude dos murmuradores. Nobilíssimo seria que procurassem o lorde maior e lhe dissessem:

- Senhor, não seque o rio! Deixe-o continuar húmido. Olhe que um rio, senhor, parece-nos que tem alguma utilidade...

Quem diz rio diz árvores; tanto diz economia como diz beleza - diz quanto é sagrado.»

João de Araújo Correia, Três meses de inferno (1947)

P.S. (de 2004). E que entendimento têm hoje das árvores no espaço urbano os novos autarcas do Portugal democrático? É caso para dizer: mudam-se os tempos, ficam as más vontades. Porque, embrulhada num novo discurso, quantas vezes enfeitado com chavões ambientalistas, persiste a vontade de modernizar a régua e esquadro, com sacrifício de todas as árvores que não se encaixem na geometria do projecto. As vilas e cidades de Portugal parecem, cada vez mais, cenários postiços acabados de inaugurar: não há uma árvore que as ligue ao seu passado.

Para dar mais um triste exemplo, foi noticiado anteontem no
Público que a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim aprovou a construção de um parque de estacionamento subterrâneo ao longo de uma avenida com 1 Km de extensão. (Os parques subterrâneos são a nova fétiche dos autarcas portugueses: já não têm conta as praças destruídas e as árvores derrubadas por essa praga.) A notícia informa que «à superfície irá desaparecer a actual faixa central para peões - onde pontificam grandes e frondosas árvores cujas raízes tornaram o pavimento ondulado». Quantas árvores isso dá: 50, 100? A oposição votou contra, mas, pelo conteúdo da notícia, ninguém considerou que o abate de tão grande número de árvores adultas fosse razão para desistir da obra. Terá algum vereador, num assomo de desculpável lirismo e só para constar do livro de actas, ousado exprimir alguma leve compunção? Ou não pode usar-se de indulgência, ainda que retórica, com árvores que se atreveram a «tornar o pavimento ondulado»?

A conclusão é que há um assunto em que toda a nossa classe política - a de ontem e a de hoje, a de esquerda e a de direita, a de todas as cores do arco-íris e de todos os pontos do compasso - está em perfeito acordo. Esse credo unânime foi há tempos brilhantemente
sintetizado pelo Arq. Ricardo Figueiredo, recém-desempossado vereador da Câmara do Porto: «Há que acompanhar a evolução natural das coisas. Uma obra não vai deixar de ser erguida por causa de meia dúzia de árvores. Há que ajustar e modernizar (...)»

20/10/2004

"...Remarkable Trees..." - livros

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Meetings with Remarkable Trees e Remarkable Trees of the World, de Thomas Pakenham, encontram-se indubitavelmente no topo da lista dos meus livros preferidos sobre árvores.
Com obra publicada (e premiada) na área da história de África, Pakenham, que é Presidente da Irish Tree Society, surpreende meio mundo em 1996, com o seu primeiro livro sobre árvores, Meetings with Remarkable Trees, em que retrata 60 árvores (ou grupos da árvores) verdadeiramente notáveis do Reino Unido.

.........
(Ambos os livros na Amazon.uk)
Em 2002, depois de uma odisseia de mais de 5 anos, conquista o resto do mundo com Remarkable Trees of the World (Ver aqui fotografias do livro).
A receita repete-se: fotografias extraordinárias e texto em que se combinam a informação do especialista exposta de modo não convencional e um humor verdadeiramente inspirador.

Nesta última obra, entre as 60 escolhidas, estão representadas duas árvores notáveis de Portugal: a gigante figueira-da-Austrália (Ficus macrophylla) do Jardim Botânico de Coimbra, protagonista das páginas que o autor intitula "Trust me. I'm a Python", e a internacionalmente famosa Araucaria bidwillii do Buçaco -a que Pakenham chama "A fossil Aussie (for Bussaco?)"- espécie também originária da Austrália a que já nos referimos anteriormente.

19/10/2004

Parente querido

«O cajueiro já devia ser velho quando nasci. Ele vive nas mais antigas recordações de minha infância: belo, imenso, no alto do morro, atrás de casa. Agora vem uma carta dizendo que ele caiu.

(...) Eu me lembro dos pés de pinha, do cajá-manga, da grande touceira de espadas-de-são-jorge e da alta saboneteira que era nossa alegria e a cobiça de toda a meninada do bairro porque fornecia centenas de bolas pretas para o jogo de gude. Lembro-me da tamareira, e de tantos arbustos e folhagens coloridas, lembro-me da parreira que cobria o caramanchão, e dos canteiros de flores humildes, "beijos", violetas. Tudo sumira; mas o grande pé de fruta-pão ao lado da casa e o imenso cajueiro lá no alto eram como árvores sagradas protegendo a família. Cada menino que ia crescendo ia aprendendo o jeito do seu tronco, a cica de seu fruto, o lugar melhor para apoiar o pé e subir pelo cajueiro acima, ver de lá o telhado das casas do outro lado e os morros além, sentir o leve balanceio na brisa da tarde.

No último verão ainda o vi; estava como sempre carregado de frutos amarelos, trêmulo de sanhaços. Chovera; mas assim mesmo fiz questão de que Carybé subisse o morro para vê-lo de perto, como quem apresenta a um amigo de outras terras um parente muito querido.

A carta de minha irmã mais moça diz que ele caiu numa tarde de ventania, num fragor tremendo pela ribanceira; e caiu meio de lado, como se não quisesse quebrar o telhado de nossa velha casa.»

Rubem Braga, A cidade e a roça (1954)

18/10/2004

Más notícias #1

Inauguramos, com bastante relutância, este novo tipo de posts.
Esperemos que não sejam em maior número que as Boas Notícias (ver #1).
Hoje, e para já, temos duas: a primeira brada aos céus!
(Post Scriptum: remeto para o comentário de leitura obrigatória...)
Quinta dos Ingleses despida
Árvore cai na Praça da República

Folhinha

Murchou a flor aberta ao sol do tempo.
Assim tinha de ser, neste renovo
Quotidiano,
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume.
O gume
Do cansaço
Vai ceifando,
E o braço
Doutro sonho
Semeando.

É essa a eternidade:
A permanente rendição da vida.
Outro ano,
Outra flor,
Outro perfume,
E o lume
De não sei que ilusão a arder no cume
De não sei que expressão nunca atingida.

Miguel Torga, Orfeu Rebelde (1958)


Foto: pva 0410

17/10/2004

Liquidâmbares #1

Their time has come...
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Fotos: mdlr Jardins de Serralves em Outubro
Enquanto que em alguns locais, como por exemplo nos jardins de Serralves, a folhagem outonal dos liquidâmbares ainda surge apenas em algumas árvores, noutros sítios está já no seu máximo esplendor.

......
Fotos: mdlr 0410 - rua Dr. Vasco Valente (Fonte da Moura)

16/10/2004

Boas Notícias # 1

Hoje e amanhã
Festa no Jardim Botânico da Ajuda - À Volta do Dragoeiro
«Com o objectivo de angariar fundos que completem os subsídios já recebidos para a recuperação do emblemático dragoeiro nascido no jardim em 1764 e que sofreu no passado dia 28 de Abril um desabamento.»

Uma aventura no Jardim do Carregal

Chegou-nos à mão um texto anónimo que transcrevemos de seguida na íntegra por julgarmos ter interesse para os nossos leitores. O Jardim do Carregal guarda um património paisagístico, histórico e arbóreo que vem sendo vergonhosamente delapidado por quem governa a cidade do Porto; a situação descrita no texto é pois real, mas não subscrevemos necessariamente as opinões do seu autor.

«Perto de minha casa, do outro lado de um fluxo contínuo de trânsito fumarento, há grandes árvores que assinalam um lugar mal frequentado. Por alguma estranha razão, o lugar chama-se Jardim do Carregal. Como poderá ser jardim (interrogo-me) esse local presumivelmente infecto que a nossa esclarecida Câmara Municipal resolveu, desde 1999, expropriar em parte para outros usos (túnel rodoviário e estaleiro) e cercar parcialmente com uma vedação de zinco? Recorde-se que um jardim - ainda que, a despeito de alguns arquitectos, nele se admitam outras cores - também se chama vulgarmente espaço verde, coisa sobremodo valorizada pelo discurso político em voga. E (prosseguindo o mesmo discurso) um espaço verde é para fruição dos munícipes e outros utentes da cidade. Por isso, e porque a nossa realidade é o espelho fiel de tais discursos, os espaços verdes não se destroem, antes são acarinhados e, se possível, expandidos.

O Jardim do Carregal não será portanto um verdadeiro jardim. (Há mais exemplos do mesmo: os Jardins da Arrábida e os Pinhais da Foz não são nem uma coisa nem outra.) Se for jardim, por certo não será verde. Ainda que verde, o seu espaço não será grande. E, finalmente, haverá alguém que dele frua? Decerto que não. Os vultos suspeitos que se adivinham ao longe, entre as árvores, cumprem a sua marginalidade no lugar que lhes é próprio: em vez de fruirem (verbo que se lhes não aplica), simplesmente existem, arredados do nosso olhar cauteloso.

Nunca lá tinha entrado e não sei o que me deu para ir lá hoje. Tinha notado que, além de gente suspeita, outra categoria social frequenta o (por assim dizer) jardim, levando para tal, como salvo-conduto e protecção, um ou mais cães pela trela. Penso que talvez sejam os cães os verdadeiros fruidores do (vá lá) jardim - mas a Câmara governa para pessoas e não para bichos; e, como é óbvio, a existência de tais utentes não é razão suficiente para que o local seja preservado.

A medo, acabei por lá entrar, tão nervoso que quase era atropelado ao atravessar a rua. Que venho eu aqui fazer? Já não tenho idade para aventuras. A falar verdade, nunca tive: será que com este gesto temerário pretendo desforrar-me de uma infância sem história e sem riscos? Não levo cão pela trela nem arma com que me defenda. Conheço-me muito bem e sei que não sou um tipo suspeito. Suspeito é aquele lá ao fundo, agachado num banco: debruça-se sobre quê? Espero que não se aproxime. Ufa, ficou parado, e posso olhar à minha volta: o que vejo são árvores, de folhagem indubitavelmente verde. Disparo a máquina fotográfica que trouxe para guardar comprovativos deste meu intrépido feito. Chego a entusiasmar-me e esqueço mesmo a presença do suspeito; e, quando novamente o procuro com o olhar, verifico que estou sozinho no (digamos) jardim.

Regresso, como de um sonho, à consciência do lugar onde estou. Do outro lado da rua, no passeio, pessoas normais e respeitáveis vão passando. Gostaria de me enganar, mas sinto que me olham de soslaio e me classificam: para elas, sou indiscutivelmente suspeito. Que poderei fazer: sair a correr do jardim, agarrá-las pelos ombros, gritar-lhes, convencê-las de que sou como elas e não há nada de suspeito no meu comportamento?»

15/10/2004

Vista para as Virtudes


Foto: manueladlramos 0311
Do Passeio das Virtudes é possível avistar perfeitamente a paineira (Ceiba speciosa) centenária do jardim do mesmo nome, a que ainda vamos chamando corísia. (Também ela se encontra há longos meses aguardando o aval dos serviços da CMP para classificação de árvore de interesse público!)
Não consigo recordar ter visto nenhuma placa que indique o acesso a este jardim histórico no coração da nossa cidade e ao qual já nos referimos anteriormente*, mas posso estar enganada.

*Jardim das Virtudes visto da Árvore -A casa da Quinta das Virtudes -Letrinhas e salamaleques

Paineira ou sumaúma?

Jardim Botânico

O nome científico desta árvore, que até há pouco era Chorisia speciosa, tem dado azo a algumas confusões. O género Chorisia foi incorporado no género Ceiba, mas alguém com autoridade no assunto decretou erradamente que duas espécies antes diferenciadas, C. speciosa e C. insignis, seriam apenas variedades da mesma espécie (que ficaria a chamar-se Ceiba insignis). Esse erro acabou por ser corrigido, mas deixou marcas nalgumas placas dos nossos jardins botânicos. A Ceiba speciosa é uma espécie brasileira, com grandes flores rosadas, folhas compostas digitadas, tronco espinhento verde (nos espécimes jovens) ou cinzento (nos adultos); a Ceiba insignis, proveniente do Perú e Equador, é em tudo semelhante, com a diferença de que tem flores amarelas. Enquanto não há floração é difícil distinguir as duas espécies; por isso temos de esperar alguns anos para decidir se as jovens Ceibas do Jardim Botânico do Porto, plantadas em redor de um lago com nenúfares e no canteiro das suculentas, são speciosas ou insignis.

Jardim das Virtudes

Quanto à árvore adulta no Jardim das Virtudes, no Porto, as flores não deixam dúvida de que se trata de uma C. speciosa. Desta vez floresceu um pouco mais cedo do que em anos anteriores, mas o clima da nossa cidade não lhe é muito favorável: a floração é sempre escassa e não há produção de frutos, que seriam grandes cápsulas recheadas de paina (espécie de rama branca). No Brasil o nome da árvore é justamente paineira ou paineira-rosa. Uma outra árvore do mesmo género, a Ceiba pentandra, também brasileira, conhecida vulgarmente por sumaúma (em inglês kapok), fornece rama de melhor qualidade, antes muito usada para recheio de colchões, coletes salva-vidas, etc. Em alguns jardins públicos portugueses (por exemplo em Angra e em Lisboa), e até em algumas publicações, atribui-se erradamente à Ceiba speciosa o nome de sumaúma, mas não nos consta que exista alguma verdadeira sumaúma em Portugal.

Fotos: pva/ mdlr

14/10/2004

Parque da Cidade #1

Fim de tarde com sol...

Fotos: mdlramos 0410
Lago pequeno com salgueiro (Salix sp.) na ilhota.

......
Fotos: mdlramos 0410
Jovens choupos (Populus sp.) com eucaliptal ao fundo.

Fotos feitas a pensar na Cristina, menina-à-Janela ;-) para quem envio também
Álamos , choupos, pópulos - Os pópulos de Monet - Choupal de Coimbra

13/10/2004

Visita a jardim

«Faltam quinze para as oito, e um senhor de preto, o ar muito sério, desce de um automóvel e se encaminha para o portão do Jardim Botânico. Está fechado: mas lá dentro, placidamente, um guarda explica que só abre às oito; em todo o caso quem resolve é um guarda mais importante, na portaria. Pela janela o senhor de preto consegue chamar o outro guarda, que dá a mesma informação. O senhor insiste: não tem muito tempo, seria bom se ele pudesse entrar logo.Vejo que ele conversa baixinho com o porteiro, mas sem nenhum resultado. Regulamento é regulamento - àquela hora as árvores não estão funcionando, estão em repouso.

O sol já está bastante quente, e na rua não há sombra. Para não sofrer as mesmas decepções do senhor de preto, resolvo matar os quinze minutos de espera andando pela calçada, ao longo do Jardim, vejo que ele faz o mesmo em sentido contrário. Quando as oito horas se aproximam, volto para junto do portão. O senhor de preto também. Olho o relógio. Ele também olha o relógio. Depois nós ambos olhamos o relógio do interior da portaria; indubitavelmente são oito horas. Ficamos junto ao portão. Aparece um pintor com seu cavalete, sua caixa de tintas, sua tela. Ficamos os três ali.

- Cavalheiro!
Foi o senhor de preto que falou com uma voz inesperadamente forte. O guarda nos olha.
- São oito horas!
O guarda murmura qualquer coisa, mas o senhor de preto brada:
- São oito horas no meu relógio e no seu relógio. Abra o portão!
- Já vou abrir.
- Estou reclamando meu direito! Já passa das oito horas. O portão já devia estar aberto!
O guarda faz sinal a um outro, que abre lentamente o portão. Entramos. O senhor de preto caminha em linha reta pela aléia em frente. O pintor vai para o laguinho do seringueiro com suas vitórias-régias. Perco-me em pequenos caminhos, a olhar as árvores, ando para um lado e outro e, no fim de quinze minutos vejo o senhor de preto; está sentado em um banco, na sombra, quieto, sério. (...)

Caminho. Sabiás saltam em minha frente. Cutias, caxinguelês, pardais... Ouço um arrulho. Juriti. Me distraio sonhando com uma casa em algum lugar onde eu pudesse plantar grandes árvores: marmorana, pau-rei, samaúma... Lado a lado, na frente da casa, dois paus-mulatos com seus troncos lisos, altos, esguios. Há renques de palmeirinhas brasileiras elegantes: açaí (que no Ceará chamam de juçara), paxiúba... Ando à sombra dos bambus. Aprendo que a carambola, tão ligada à minha infância, é uma árvore da China; já sabia que a manga e a jaca também vieram do Oriente. Vejo as flores surpreendentes do abricó-de-macaco. Deixo-me ir à toa para um lado e outro, sem ler esses nomes latinos.

Uma pequena coisa amarela cai no chão na minha frente. Olho para o chão, apanho a frutinha, olho para cima, vejo a alta árvore: é cajá-mirim. Encho as mãos de cajás, sigo por uma alameda chupando as frutas, alegre como um menino.

De repente, vejo, de longe, o senhor de preto. Está se erguendo do banco. Acompanho-o com a vista. Olha um instante em torno e depois caminha em direcção à saída. (...) Depois põe o carro em marcha e vai rodando lentamente em direcção à cidade. Lentamente, como se tivesse pena de ir.

Rubem Braga, Um cartão de Paris (1990)

12/10/2004

A nossa "bidwillii" favorita

.Fotos: 0312..

Esta é a nossa araucária favorita. Encontra-se no Jardim da Cordoaria, no Porto e é uma Araucaria bidwillii. Originária da Queenslândia, na Austrália, a sua designação científica homenageia John Bidwill, o primeiro director do jardim Botânico de Sidney. Vulgarmente entre nós é chamada araucária-da-Austrália, araucária-da-Queenslândia e também pinheiro-bunya.

Uma das características destas árvores é o formato parabólico da copa, vísivel na fotografia da direita, aqui também e ainda aqui, numa fotografia panorâmica do arvoredo da Quinta de Vilar d'Allen, onde se destaca uma outra Araucaria bidwillii.

Os nomes das árvores #1

Enviei, em tempos, umas perguntas para o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Verifiquei hoje que tiveram a gentileza de responder (ver aqui)
As perguntas: «A minha dúvida prende-se com a estranheza que me causa a ocorrência dos nomes de países com letra minúscula em designações por exemplo de árvores. Ex: pinheiro-do-brasil; pinho-do-paraná; araucária-da-austrália, etc. Será devido à utilização dos hífens? São correctas as versões dessas palavras sem hífen e com o nome dos países (estados, etc.) em letra maiúscula? Que regra é esta que transforma assim um nome próprio? Por ser elemento da palavra composta perde o seu estatuto?»

A resposta: «(...) A lógica, sendo 'Brasil, Paraná e Austrália' topó[ô]nimos, era que se escrevesse: 'pinheiro do Brasil', 'pinho do Paraná', 'araucária da Austrália'. No entanto, nestas grafias poderia ficar a ide[é]ia de que tais árvores seriam exclusivas de cada um destes países, o que não é o caso: por hipótese, todas elas poderão ser plantadas em países diferentes daquele que lhes deu a designação, isto é, do país ou localidade que figura como elemento comum no nome de várias árvores da mesma natureza. E como o conjunto forma um sentido único, este nome tem os seus substantivos, ambos comuns, unidos por hífen, numa palavra única, composta: pinheiro-do-brasil, pinho-do-paraná, araucária-da-austrália/-do-chile/-da-caledó[ô]nia/-do-japão. Da mesma maneira que escrevemos, por exemplo: erva-de-santa-maria, ou água-de-coló[ô]nia, embora Maria e Coló[ô]nia sejam nomes próprios. Ao seu dispor, D' Silvas Filho»

Ficam desde já aqui os meus agradecimentos. Todavia não fiquei ainda esclarecida se, de acordo com os distintos especialistas do Ciberdúvidas, a utilização da letra maiúscula nos nomes compostos hifenizados é aceitável (por ex: pinheiro-do-Brasil, araucária-da-Austrália, etc..). Que se usam, usam!

11/10/2004

Acabadas de sair



Fotos: pva 0410 - Serralves

Podem não ser as primeiras da estação - mas, em qualquer caso, para valorizar a notícia, vamos insistir nessa hipotética prioridade. A nossa missão é dar às pessoas boas razões para saírem de casa e se aventurarem fora de portas: assim, as notícias que damos em exclusivo são ignoradas por todos os telejornais; e os produtos que propagandeamos não estão à venda nos "shoppings" da nossa perdição consumista.

Depois da temporada das sazankas (Camellia sasanqua), que aqui lançámos com assinalável sucesso e ainda não se encontra encerrada, é a vez de as japoneiras (Camellia japonica) iniciarem a sua produção florística. Não rebentam todas de uma vez para não saturarem o mercado: nos próximos meses, e prolongando-se até meados de 2005, quase todas as semanas trarão a novidade de uma flor.

Estas, como dissemos que diríamos, são as primeiras da estação: abriram em Serralves, num dia de chuva de Outubro de 2004.

10/10/2004

Padre António Vieira e "a segunda Árvore da Vida"

«"Altissimus de terra creavit medicinam.": Deus criou da terra a medicina; mas de que terra, ou em que terra? Assim como a primeira Árvore da Vida foi criada no meio do paraíso: "Lignum vitae in medio paradisi."(Gen.II-9) assim a terra de que Deus, e onde Deus criou a segunda, foi o meio da redondeza da mesma terra. A prova e a razão é porque em todas as quatro partes do mundo criou Deus para serviço e uso da medicina vários antídotos, ou instrumentos medicinais, conforme as qualidades e enfermidades das mesmas terras. (...)
Plantada pois no meio das quatro partes do mundo a segunda Árvore da Vida, ela com as suas raízes penetra até ao centro da terra, donde com maior utilidade que a cobiça, desenterra todo o género dos minerais de tanto mais poderosas virtudes, quanto mais simples. (...)
Regam estas raízes os rios e fontes, umas quentes, outras frias, todas saudáveis. E as mesmas águas do mar, posto que salgadas, as não fertilizam, nem enriquecem menos, fecundas e abundantes dos remédios, que, ou nadam nos ossos e entranhas dos peixes, ou moram e se encerrem nas conchas dos que não podem nadar.
(...) Das raízes assim regadas, cresce e se engrossa o tronco de toda a famosa árvore, formado de todos os lenhos medicinais que criam os vizinhos e remotos climas; dos quais, ou abertos os poros com o calor do sol, se destilam em suores, ou feridos mais interiormente nas veias, correm como sangue os bálsamos e as mirras: e estas pelo parentesco que têm de humores, ou restringindo, ou relaxando (como no instrumento as cordas) os reduzem facilmente à natural harmonia.»
in "A Medicina -D'um panegírico de S. Lucas, pregado em Lisboa, muito curioso por dar a ideia perfeita das doutrinas então em voga. Sermões, 10º vol" -Trechos selectos do Padre António Vieira:1697-1897. Lisboa: Typ. Minerva Central, 1897
.
Anterior: Padre António Vieira sobre como há-de ser um sermão - Analogia com a árvore

09/10/2004

A última brincadeira do Verão


Fotos: manueladlramos 0410- Frutos de butiá no Parque de S. Roque/ Porto
Nestas últimas horas, o Vento espantou definitivamente o Verão, mas há apenas uma semana, este ainda andava de mãos dadas com o Outono a passear pela cidade! Encontrei-os - aos três: Vento, Verão e Outono -no Parque de S. Roque a brincar com uma palmeira. Entrei na brincadeira e, sorte a minha, fui presenteada com uns frutinhos doirados, minúsculas tangerinas (ca. 2 cm. de diâmetro) que caíam ao menor sopro, de maduras que estavam. O canteiro, em redor do espique, ficou cor da tentação!
O seu aroma delicioso (descrito aqui como «sweet-tart flavor ... reminiscent of both apricots and a pineapple-banana mixture») engana perfeitamente quem pensa que estes frutos são tão saborosos como o perfume que exalam ou tão doces como a sua cor é quente! São mesmo muito ácidos.

.Butiá..
0410- Parque de S. Roque/ Porto
Alguns dos nomes brasileiros desta espécie de palmeira -que presumo ser uma Butia capitata- "Butiá-de-vinagre, butiá-azedo, coqueiro-azedo" são aliás elucidativos sobre o gosto do fruto. Deve ser essa uma das razões por que são usados (na terra delas: Paraguai, Brasil, Uruguai e Norte de Argentina) para se fazer geleia, licor, cachaça e vinagre. Usam? Será esta a palmeira da geleia?
(Como gostava que os nossos amigos brasileiros e uruguaios que nos visitam, nos esclarecessem ;-)

08/10/2004

A voz da Tília

Diz-me a tília a cantar:" Eu sou sincera,
eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
deu ao meu corpo o vento, quando passa,
este ar escultural de bayadera...

E de manhã o sol é uma cratera,
uma serpente de oiro que me enlaça...
Trago nas mãos as mãos da Primavera...
E é para mim que em noites de desgraça

toca o vento Mozart, triste e solene,
e à minha alma vibrante, posta a nu,
diz a chuva sonetos de Verlaine..."

E, ao ver-me triste, a tília murmurou:
"Já fui um dia poeta como tu...
Ainda hás-de ser tília como eu sou..."

Florbela Espanca- Charneca em Flor (1930)

São Francisco e a árvore sua irmã


Foto: pva 0410 - Parque das Termas de Vizela

G. K. Chesterton, na sua biografia de São Francisco de Assis, explica que o santo não era, no sentido vulgar da expressão, um amante da natureza: em vez de um encantamento panteísta pela natureza no seu conjunto, ele amava separadamente cada pássaro, cada árvore, cada insecto; para ele a natureza não era um cenário indiferenciado, mas antes um teatro frenético onde, em lances dramáticos, cada ser vivo fazia ressaltar a sua personalidade.

«The hermit might love nature as a background. Now for St. Francis nothing was ever in the background. (...) He saw everything as dramatic, distinct from its setting, not all of a piece like a picture but in action like a play. A bird went by him like an arrow; something with a story and a purpose, though it was a purpose of life and not a purpose of death. (...) In a word, we talk about a man who cannot see the wood for the trees. St. Francis was a man who did not want to see the wood for the trees. He wanted to see each tree as a separate and almost a sacred thing, being a child of God and therefore a brother or sister of man.» (G. K. Chesterton, St. Francis of Assisi, 1923)

Para São Francisco a sua irmã árvore era um maior hino à glória do Criador do que uma sumptuosa catedral. Por isso consigo imaginá-lo a conversar com cada uma das tílias desta alameda no Parque de Vizela, seguindo com os olhos as folhas secas que o Outuno incipiente vai fazendo tombar. E imagino também o seu desgosto ao deparar, ainda em Vizela, com outras tílias menos felizes, amputadas para não taparem a fachada da igreja: diria o santo que nem os homens de Deus são imunes à vaidade de preferirem obra humana à criação divina. Quem ordenou essas podas talvez seja indiferente mesmo à natureza como cenário, pois só um sentido estético embotado pode achar que um tal agrupamento de árvores grotescas tem efeito ornamental. Mas esses pobres destroços testemunham, pior do que a indiferença, a perversão egoísta do sadismo.

07/10/2004

Nossas irmãs, as plantas

«Não sei como a humanidade se conforma em não viver pelo menos quinhentos anos. Mesmo que os vivêssemos, acharíamos a vida curta, se os empregássemos em aprender tudo o que não sabemos, em ler todos os livros que devem ser lidos, visitar todos os países, conhecer todos os mares, saber como são os grandes rios, as grandes florestas, e mirar as folhas de todas as plantas...
(...)
Há, decerto, pessoas felizes, que sabem os nomes das plantas. (...) Mais felizes são as pessoas que, com sangue ou seiva de bamadríade, habitam verdadeiramente no interior dos mistérios botânicos, banhando-se em águas de plantas fervidas, borrifando-se com infusões de plantas, bebendo cozimento de folhas e raízes, falando das propriedades de flores e cascas com certezas tão familiares que bem se vê serem de uma estirpe diferente da nossa, e andarem por este mundo humano extraviadas, sem adaptação possível, saudosas do prestigioso encanto das selvas. Passam por nós trescalando florestas; seu corpo é como madeira aromática.
(...)
Só a lembrança de um jardim já serve de refrigério para as fadigas deste mundo. Os árabes, que conheceram a dureza dos desertos, inventaram com felicidade, para sossego das suas opressões, esses recantos perfumosos onde as plantas mais adoráveis oferecem seus dons com uma graça quase pecadora; e até construíram a esperança de outros jardins, por onde se possa transitar depois que os desta vida já forem inúteis à nossa transfigurada sombra...
(...)
Hoje nós somos criaturas sem sossego, perdidas em lutas urgentes e difíceis, amarguradas e envenenadas, de tão mergulhadas no puramente humano. Quando amanhã pudermos descansar, olharemos em redor, procurando nestas cidades de cimento um lugar para o sonho tranquilo, e então nos lembraremos dos jardins, das árvores, de qualquer flor. Sentiremos que estamos mais perfeitos, que já somos melhores, quando pudermos sorrir diante de um ramo que desabrocha, e olhar com doçura para qualquer folha que cai - e que hoje, nesta pressa bárbara, nem sentimos que existe, nem nos importamos que acabe...»

Cecília Meireles, Crónicas em geral (texto de 1945)

06/10/2004

Verde e branco em dia cinzento

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Esta é altura em que os jardins se enchem das flores de princípio do Outono, e sabe bem espantar a melancolia da estação passeando os olhos nas variegadas cores dos crisântemos, no vermelho vivo das salvas, nas begónias, e em tantas outras de que desconheço o nome.
No jardim da Rotunda da Boavista as únicas flores que se encontram agora são as de uma Camellia sasanqua, quase completamente brancas, já na última fase de floração. Salve belas flores!


foto: mdlramos 0410 - Jardim da Rotunda
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Deste jardim foram banidos os canteiros coloridos, e até os tradicionais bancos vermelhos 'viraram' verdes. É um jardim "requalificado".
O cidadão comum e ingénuo a quem tinham prometido o jardim de volta (?), sente-se defraudado por ser obrigado a um inapropriado e insípido exercício de contemplação em tons de verde e branco. Contudo resta-lhe uma certa esperança porque pensa que o jardim não está pronto e que brevemente lá reporão flores. Nós, que pertencemos ao número de cidadãos comuns mas não ingénuos, sabemos que isso não vai acontecer, porque os 'novos primitivos' abominam as flores!

05/10/2004

Green


Citrus sp. ............................. foto: manueladlr amos 0410

Savana

«Partimos do Mountain-Inn às 8 horas, tempo fresco e translúcido. Começámos a descer curveteando, entre o alto relevo, como quem se esgueira de um paraíso terrestre sem querer acordar Adão, mas sem Eva afinal de quem se despedir... Temos de calcorrear bons trezentos e oitenta e tal quilómetros, daqui a Pretória; mas em menos de dez minutos estamos no peniplano, em Louis Trichard, a tal cidadezinha-jardim, de casas de presépio, baixas. Dela se sai para uma recta imensa, destas que hipnotizam e cegam quem vai ao volante, numa imensa planície rasa de palha branca, pontuada à nossa beira por farms de cottages crispados na sua desconfiança de primeiros ocupantes pioneiros, e rodeados de verdura espaireciva. As araucárias contam os anos de colónia: são as pirâmides deste Egipto.»

Vitorino Nemésio, Jornal do Observador (1973)

04/10/2004

«To the great tree-loving fraternity we belong. We love trees with universal and unfeigned love, and all things that do grow under them or around them - the whole leaf and root tribe.»
- Henry Ward Beecher

03/10/2004

"O maior e mais belo exemplar ..."

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fotos: mdlramos 0312 -Araucaria angustifolia

Sobre esta Araucária-do-Brasil, localizada em Lordelo, Guimarães, concelho vizinho de Vizela, diz Ernesto Goes o seguinte: «Trata-se do Pino do Pará (sic) ou seja duma espécie do Sul do Brasil e Argentina. Por este facto, muitos emigrantes regressados daqueles países, por saudosismo, têm plantado um ou vários exemplares nas suas quintas, principalmente nas províncias do Minho e Alto Douro.
O maior e mais belo exemplar que conhecemos, fica numa Quinta junto à estrada de Stª Tirso-Guimarães ao Km 33-3 (a 11,5 km de Guimarães). Esta árvore tem as seguintes dimensões: perímetro do tronco a 1,30 m do solo (P.A.P.) -2,95 m.; altura do tronco, limpo de ramos- 20,00 m.; altura total-30,00 m.»

in Árvores Monumentais de Portugal (1984)


Araucária-do-Brasil

Com indicações tão precisas, claro que fui direitinha lá dar.
Na fotografia do lado direito a máquina disparou mais depressa do que eu pensava mas ainda me apanhou de costas... e não há nada como uma figura humana para se ter uma ideia mais precisa das dimensões das árvores. No entanto apesar da sua altura, e devido a estar depois da apertada curva de Lordelo, este "pinheiro-do-Brasil", que segundo me informaram está na "Quinta das Rendas" (?), passa despercebido a quem vier de Guimarães.

No site dedicado à freguesia a que pertence este lugar, e excepção feita ao loureiro, abordado do ponto de vista toponímico, não se faz referência a mais nenhuma espécie, no entanto, para além desta magnífica Araucaria angustifolia, há na zona outras árvores dignas de nota, nomeadamente plátanos de porte momumental (na mesma propriedade), carvalhos (ao pé da velha Igreja Matriz) e ainda um conjunto invulgar de Cupressáceas.

Araucárias-do-Brasil em Vizela e Viseu