01/10/2004

De Vizela a Viseu, via Brasil

Vizela Viseu

Pegue num pau redondo, muito comprido e muito hirto, que comece por ser largo e vá estreitando até à outra ponta, e faça-o assentar de pé sobre a sua parte mais grossa; espete-lhe, a toda a volta do seu terço superior e a intervalos regulares, e de modo a com ele fazerem ângulos rectos, outros paus mais estreitos e mais curtos; e cole uma grande bola verde na extremidade de cada um desses paus.

(Pausa para dar tempo ao leitor de executar mentalmente as instruções do parágrafo anterior.)

Já está? Acabou de construir aproximadamente uma araucária-do-Brasil (Araucaria angustifolia): uma árvore de desenho tão simples que se diria um rabisco de criança. Pois essa árvore vem de épocas remotas, quando o Criador se podia dar a infantilidades, sem teologias que o atrapalhassem.

Muito se passou na Terra desde que as araucárias apareceram no período jurássico: os continentes deslocaram-se, houve catástrofes, extinções em massa, surgiram outras formas de vida; aqui e ali, na América do Sul, Austrália e Nova Caledónia, abrigaram-se as sobreviventes em pequenos nichos. Delas dizemos hoje que são exóticas, o que é de uma trivialidade insultuosa para estas anciãs, habitantes antigas de um planeta entretanto colonizado por plantas arrivistas (como elas lhes chamariam se falassem) a que nós chamamos autóctones. As araucárias não vêm propriamente de outro lugar, mas de outras eras, e merecem por isso o nosso acolhimento e veneração.

A araucária-do-Brasil é a Gata Borralheira da família. No século XIX, quando se iniciou a voga destas árvores nos jardins europeus, esbanjavam-se elogios com a araucária-de-Norfolk (A. heterophylla), com a araucária-do-Chile (A. araucana) e, em menor grau, com a araucária-de-Queensland (A. bidwillii); mas ninguém tinha uma boa palavra para a araucária-do-Brasil. Chegaram a considerá-la defeituosa por, ao contrário das suas congéneres, os exemplares adultos só terem ramos na parte superior do tronco. E o seu preço de venda reflectia essa apreciação: o Horto das Virtudes, de Marques Loureiro, vendia-a 10 a 20 vezes mais barata do que as suas irmãs.

Talvez por isso não haja muitas dessas araucárias no Porto (uma dessas raras árvores ajudou-nos a decifrar parcialmente um enigma dos nossos amigos Aliados): o burguês endinheirado preferia, para o seu jardim, árvores mais caras e requintadas. Mas, noutros lugares do norte do país, e mesmo nos concelhos confinantes com o Porto, numerosos exemplares já adultos da araucária-do-Brasil desmentem garbosamente a depreciação estética de que a espécie foi vítima. Tanto em Vizela como em Viseu, que há pouco visitámos, ela é mesmo a araucária mais numerosa nos jardins e parques públicos: e assim, além da afinidade fonética, um novo laço (brasileiro) une estas duas urbes lusitanas.

(fotos: pva / mdlr)

2 comentários :

Anónimo disse...

Paulo, seu texto é ótimo!!!
Muito me apraz poder ver algo a respeito do Pinheiro-do-Paraná aqui nestas páginas.
Minha ignorância a respeito das coisas mais distantes de mim é minha "muleta" para que eu possa ficar agora encantado ao saber de algumas dessas árvores que tanto me comovem, sobrevivendo em morada tão distante de sua terra natal.
Espero que as Araucárias brasileiras possam "frutificar" aí em Portugal.

Um grande abraço e agradeço por sua generosidade em divulgar as informações que você aqui colocou.

darkwalker61@gmail.com disse...

Presentemente, consegui contar, doze desses belos espécimes, na nossa cidade de Viseu. Duas nos Jardins do Fontelo, duas no interior do RI14, duas bastante jovens no jardim interior da PSP, uma na Rua José Branquinho, uma na Rua D. José da Cruz Moreira Pinto, uma num jardim particular, na Ramalhosa, Rio de Loba, uma na Circunvalação, Junto á Rotunda Paulo VI, uma na Estrada do Satão, cruzamento para Gumirães, uma em Ranhados, numa casa particular, nas traseiras da Fundação Mariana Seixas