02/05/2005

José Duarte de Oliveira Júnior, redactor do Jornal de Horticultura Prática

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O Jornal de Horticultura Prática (JHP), que se publicou mensalmente no Porto entre 1870 e 1892, foi fundado por José Marques Loureiro, proprietário do Horto das Virtudes, e por José Duarte de Oliveira Júnior, seu redactor de 1870 a 1887. O JHP constituiu uma singular aventura editorial: pela sua longevidade, quando outras revistas congéneres tiveram vida curta (como o Jardim Portuense, que existiu entre 1843 e 1845, e foi, em muitos aspectos, precursor do JHP); pela qualidade e profundidade das opiniões publicadas; pela frontalidade com que denunciava as más práticas com árvores e jardins, mas sempre enaltecendo lucidamente o que de bom se fazia nesse domínio. E o JHP não se restringia ao âmbito local ou mesmo nacional: teve correspondentes no estrangeiro e contou, entre os seus colaboradores, com Edmond Goeze, jardineiro-paisagista alemão que dirigiu em Lisboa, a partir de 1873, a construção do Jardim Botânico da Escola Politécnica, e com o seu sucessor Jules Daveau. Os artigos que publicou versavam não só temas de jardinagem como também de índole agrícola (sementeiras, variedades frutícolas, conselhos para o combate à filoxera, práticas florestais, etc.).

O JHP nunca teria existido sem a persistência de José Marques Loureiro (1830-1898), o heróico Jardineiro das Virtudes, o maior horticultor português de sempre; mas é óbvio que a emergência de Marques Loureiro foi propiciada pela existência, no Porto oitocentista, de numerosos apaixonados pela jardinagem entre as famílias ricas proprietárias das quintas de recreio então abundantes na cidade. Houve os Van Zeller, os Allen, os Andresen, os Burmester, e muito do bom que sobrevive no Porto ainda se deve a esses amadores esclarecidos e entusiastas. A fundação do JHP em 1870 culmina uma década de ouro em que, por iniciativa de Alfredo Allen (1828-1907) - como membro da vereação portuense e como impulsionador da Sociedade do Palácio de Cristal -, se construíram os jardins da Cordoaria e do Palácio, ambos segundo desenho do paisagista alemão Emílio David.

Mas quem foi José Duarte de Oliveira Júnior, o homem que deu voz ao Jornal de Horticultura Prática? Os primeiros números da publicação apresentam-no simplesmente como redactor; mas, com o passar dos anos, vão alastrando os títulos debaixo do nome: membro de umas tantas academias, sócio correspondente de umas quantas sociedades. Uma rápida pesquisa na Porbase indica-o como autor de meia dúzia de brochuras - sobre araucárias, sobre a filoxera e o vinho do Porto, e até sobre pomologia. Além dos muitos escritos seus que há no JHP, outros esporádicos apareceram no Jornal Hortícolo-Agrícola (1893-1906) e n'O Tripeiro (fundado em 1908).

A vivacidade e o saber dos textos de Oliveira Júnior no JHP tornam imperativo conhecer a sua vida e formação, que têm algo de surpreendente. Nasceu em Outubro de 1848 na freguesia da Vitória, no Porto, filho de um próspero comerciante de panos estabelecido na rua dos Clérigos; o pai mandou-o educar-se em Inglaterra - e, embora não seja de supor que o jovem tenha descurado os estudos úteis ao comércio, quando regressou a sua vocação era decididamente outra, como dá conta Alberto Pimentel em O Porto há trinta anos (Livraria Universal de Magalhães & Moniz, Editores, Porto : 1893): «A floricultura era considerada um capricho de imaginações romanescas. Toda a gente se admirou de que o snr. Oliveira Júnior, vindo de fazer a sua educação em Londres, desse mais atenção às flores do que à calçada dos Clérigos, onde a sua família enriquecera pelo comércio.»

Oliveira Júnior tinha pois 21 anos quando se estreou como redactor do JHP - e desde o início escreveu com a segurança de quem domina inteiramente o seu assunto. Não deixou de ser comerciante - por morte do pai, ampliou o negócio da família, inaugurando os Grandes Armazéns do Carmo - mas, aproveitando terras herdadas da família materna, foi também agricultor no Minho, criador do famoso vinho Porca da Murça. Morreu em Novembro de 1927, sem deixar descendência - nas palavras do próprio, a sua única filha conhecida foi uma camélia, de cor vermelho tinto com manchas brancas, criada em 1871 por Marques Loureiro e por ele chamada Duarte de Oliveira.

Quando José Duarte de Oliveira se apagou já os tempos áureos da horticultura portuense pertenciam ao passado; tais estrangeirismos nunca se tinham verdadeiramente enraízado na vida da cidade, tanto na classe abastada como na popular. Duarte de Oliveira era obviamente um estrangeirado, um conhecedor de línguas (francês, inglês e alemão) que muito viajou por toda a Europa; como, além de tudo o mais, foi um comerciante rico, O Tripeiro, no obituário que lhe dedicou, pôde usar termos elogiosos, descrevendo-o como «negociante honrado», mas ignorando o Jornal de Horticultura Prática, e referindo apenas de passagem, em tom de quem desculpa uma excentricidade, a paixão de Duarte de Oliveira pelas flores. Assim se escreve a biografia de um homem: apagando o que ela tem de mais notável como se de uma frivolidade juvenil se tratasse.

Para outro exemplo mais recente de como a arte dos jardins é desconsiderada por quem estabelece o cânone da nossa história e da nossa cultura, consulte-se o volume da História do Porto sob a direcção de Luís A. de Oliveira Ramos (2.ª edição, Porto Editora, Porto: 1995): na página 495, a iniciativa da constituição em 1861 da Sociedade do Palácio de Cristal é atribuída a João Allen, falecido 13 anos antes, e não ao seu filho Alfredo, como seria correcto. Tivesse Alfredo Allen escrito algum mau romance, ninguém o confundiria com o seu pai; como apenas construiu o Palácio de Cristal e o Jardim da Cordoaria, a cidade vota o seu nome ao esquecimento.

7 comentários :

Anónimo disse...

Muito interessante. Gostaria de poder citar este artigo em trabalho académico, mas não sei como. Talvez me possa ajudar?
A. Günther

Unknown disse...

Para mí (os escribo desde España ) Duarte de Oliveira, junior fue un agradable descubrimiento.
Pionero y gran divulgador su obra " O jardim na sala" ha sido un texto muy revelador que creemos debería ser más conocido por los estudiosos del mundo de la jardineria.
Por ello, si creeis que es interesante, proponemos que esté disponible en formato PDF. Estaríamos dispuestos a escanear el texto si alguien está interesado y colgarlo en www.tecnicasvegetacion.net
¿Que opinais?
(Disculpad que escriba en Español pero o soy capaz de hacero en Portugués)

Paulo Araújo disse...

Claro que estamos muito interessados em ter essa obra de Duarte de Oliveira disponível em PDF. E prometemos divulgar com grande destaque aqui no blogue logo que esse trabalho esteja feito.

Unknown disse...

Pues nos ponemos a trabajar, tardaremos un poco de tiempo. Cuando lo tengamos os lo comunicamos. Un fraternal saludo

Paulo Araújo disse...

Ficamos-lhe muito gratos por partilhar essa raridade connosco. Um abraço,
Paulo Araújo

Unknown disse...

Ya esta colgado el libro Ó jardim na sala en PDF en:
www.nodo50.org/tecnicasvegetacion
(en la parte de abajo de la web)
!Que lo disfruteis!

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Patxi. É um livro delicioso. Transcrevemos aqui um excerto, avisando os interessados de que podem ir buscar o PDF.