05/09/2005

Mais árvores, menos sombras

In Público, Local Porto
5 de Setembro de 2005

Já reparou que existem laranjeiras na Rua Gonçalo Cristóvão? Já admirou a altura da fabulosa Ginkgo das Virtudes? Alguma vez contemplou as cores do jacarandá do Largo do Viriato? E quantas vezes saboreou a sombra de uma qualquer árvore no Porto? É improvável que o precioso arvoredo da cidade passe despercebido. No entanto, nos últimos anos, as obras de requalificação urbana, quer do Porto 2001 quer da Metro do Porto, têm derrubado alguns troncos na cidade que, na maioria dos casos, têm sido substituídos por exemplares mais jovens.

A média de idade das árvores no Porto ronda agora os 20 anos. Rui Sá, vereador do Ambiente, garante que nos últimos quatro anos foram plantadas bastantes mais árvores do que as desaparecidas, por doença ou devido a obras. Os números fornecidos pelos responsáveis da Divisão de Jardins confirmam a garantia do autarca: 678 árvores foram abatidas, 371 transplantadas e 7533 novos exemplares plantados, entre 2001 e 2005. O problema para alguns é precisamente esse. É que não só os exemplares são novos porque são recém-chegados às ruas do Porto mas também jovens e, por isso, pequenos. Há mais árvores no Porto mas também há menos sombras.

Nuno Quental, da associação de defesa do ambiente Campo Aberto, lamenta precisamente a perda da cidade com o desaparecimento de árvores de grande porte. Reconhecendo que nalguns locais foram plantados novos exemplares, Quental alerta para o facto de hoje se realizaram muitas obras na via pública que "sistematicamente sacrificam as árvores que existem no caminho". Paulo Araújo, um matemático assumidamente apaixonado por árvores e co-autor do livro recém-editado pela Campo Aberto À sombra de árvores com história, acrescenta que actualmente se corre o risco da "banalização" da perda de árvores em benefício de uma empreitada. "As árvores são arrancadas ou abatidas ao menor pretexto, sem hesitação. Isso está-se a tornar algo banal. Aqui há uns anos não se imaginava que uma rua arborizada fosse despida" , afirma.

Um dos casos exemplares, no pior sentido, para Paulo Araújo está à vista na Avenida da Boavista > , onde algumas tílias de quase 20 anos foram substituídas por jovens plátanos: "A espécie não é a mais indicada para o local à beira-mar e as caldeiras são minúsculas, com metade do tamanho que deviam ter para garantir um crescimento normal daquelas árvores e das suas raízes".

Araújo revela que chegou a ponderar a hipótese de fazer uma lista das árvores perdidas com as obras de requalificação urbana; no entanto, diz ter desistido da ideia quando imaginou a deprimente "notícia necrológica". Com as moradas exactas de muitas árvores da cidade na ponta da língua - algumas são verdadeiras "heroínas" no livro que ajudou a fazer -, Paulo Araújo admite, porém, que, apesar de algumas importantes perdas, "tem-se verificado o cuidado de substituir as árvores".

"As árvores não são insufláveis. Tem de ser dado tempo para que elas cresçam. Elas são um ser vivo com um ritmo próprio. Repare-se na Praça da Batalha, estão ali árvores que dentro de 10 ou 20 anos vão ficar lindíssimas", avisa Isabel Lufinha, engenheira florestal que coordena a equipa de intervenção da autarquia e que participou na elaboração do inventário das árvores do Porto. Insistindo na necessidade de uma gestão deste património vivo, a engenheira realça os benefícios ambientais de uma árvore mas também o papel psicológico pela sensação de "serenidade" que nos garante. "Ninguém vai para a VCI relaxar", nota. Quanto ao futuro, Isabel Lufinha garante que a floresta urbana do Porto vai crescer mas que deve ser feito um planeamento cuidadoso. "Temos de começar a repensar, por exemplo, o uso de árvores com grande necessidade de água", aponta, salientando também "a óptima tendência nas novas plantações para a escolha de espécies autóctones".

Por outro lado, consciente do efeito que as intervenções de requalificação urbana têm no espaço público e, sobretudo, nas zonas verdes, Rui Sá não nega o prejuízo para a cidade. Assim, o autarca nota que a "mineralização da Porto 2001" varreu algumas árvores e o Metro do Porto também tem deitado alguns troncos abaixo. Porém, o vereador do Ambiente considera que a Metro do Porto tem demonstrado recentemente uma postura diferente. Ainda assim, não foi possível evitar os estragos nas raízes de alguns sobreiros, junto ao Bairro da Fábrica, assumidos pela Normetro na passada semana e que poderão levar a empresa a pagar uma coima. No caso da Boavista, Rui Sá realça que a avenida tem agora mais árvores do que nunca e que as tílias que ali estavam encontram-se no viveiro da autarquia e serão transplantadas para vários locais da cidade.

"Por vezes, a presença de uma árvore só é notada quando causa problemas. As pessoas devem olhar para uma árvore como um ser vivo, com virtudes e defeitos, ter paciência para retirar os benefícios e aturar os incómodos", conclui Isabel Lufinha.

Armindo Santos, reformado que reclama a profissão de avô, está sentado à sombra de uma árvore na Cordoaria. Não sabe, nem lhe interessa, qual é o nome que "os especialistas" lhe dão. Sabe que gosta da sombra e, ali no fresquinho, tem uma certeza: quanto mais árvores, melhor.

Por Andrea Cunha Freitas

1 comentário :

ManuelaDLRamos disse...

Interessante a peça, mas... ninguém lhe (à jornalista) lembrou as árvores classificadas? Acho muito importante esse meio de salvaguarda das árvores, ao alcance de todos os cidadãos e há (ainda) muitas árvores na cidade, em lugares públicos e privados, dignas de serem classificadas e protegidas. Cidadãos por que esperam? ;-)
Já agora pergunto aos serviços competentes (ou melhor irei perguntar, pois não os imagimo a blogar, quando pensam pôr a placa identificativa nas árvores que entretanto foram classificadas cá no Porto. Acho que é obrigatório por lei.