28/01/2006

Breve antologia da descrença

É a chuva que persiste em não cair, são as árvores arrancadas na Praça da Liberdade, são as podas que mutilam cruelmente o corpo vivo de outras árvores. De raízes enjauladas numa nesga de solo ressequido, quanto não lhes terá custado, às árvores, lançar esses braços que as motosserras vão cortando? Cada vez mais há lugares da cidade que evito, ou por onde só quero passar de olhos postos no chão. Mas, pelas brechas que se abrem neste alheamento forçado, vejo os canteiros convertidos em asfalto na rua de Vilar ou em granito na rua do Rosário, os arbustos decepados por cretinos na rua do Campo Alegre, as tílias desfeadas na praça da Trindade, o segundo ginkgo que morre (envenenado?) na esquina da rua da Fábrica com a Conde de Vizela. É tão confinada e frágil a vida das árvores na cidade, e mesmo assim há quem - seja por profissão, gozo pervertido ou mesquinho interesse pessoal - porfie em destruí-la.

A descrença que vem de andar na cidade com os olhos abertos pode e deve ser partilhada. Por isso me foi importante ler sobre o melancólico encontro à hora do almoço da Alexandra com as magnólias de Sá da Bandeira; ou reconhecer com jrf que «chegará o dia em que a natureza não terá lugar neste planeta»; ou, finalmente, antever com o Filipe um futuro sem árvores e sem regresso.

2 comentários :

Anónimo disse...

A natureza continuará ainda por muito tempo a ter lugar neste planeta.

Quanto ao Homem é provável que muito pouco tempo lhe reste.

Bem pouco, bem pouco...

Aqui, no meio do Atlântico também se abatem e mutilam as árvores. Ainda há poucas semanas foi abaixo um plátano centenário e os metrosideros definham na marginal da pacanhata-tacapanha cidade da Horta. Vários morreram já, evitando assim o calvário mesquinho de árvores sem porte nem norte a que os queriam vergar as mãos ignorantes de quem os podou e as mentes ignóbeis de quem os mandou podar.

ver

katia disse...

Olá!

Muito lindo,e comovente seu texto.Sou Amante da Natureza,tenho-a ,como minha primeira mãe,pois do pó dela,vinhemos,e para ela retornaremos.Me Entristesse por demais saber destes tristes fatos de desrespeito à nossa fonte de óxigênio puro,que muitos ,ainda não se concientizaram,e talvez nunca o farão,Que dela ,somos dependentes.