11/10/2007

Lagoa das Patas

Sexta-feira, 5 de Outubro. Na falta de peixe grelhado, almoçava eu, no centro de Angra, um muito continental bacalhau à Zé do Pipo, deixando-me embalar distraidamente pelo som nervoso do telejornal, quando percebi que a notícia tinha a ver connosco, moradores ou visitantes da ilha. Tempestade ameaça os Açores: ondas alterosas, ventos desatados e chuva torrencial atingem o grupo central do arquipélago. Você nem imagina o perigo que corre. Fique aí assustado, que nós voltamos logo após a publicidade. Concedo que os termos exactos não foram esses, mas a ideia foi. O mínimo que se esperaria ver depois do intervalo era um directo com um intrépido repórter sacudido pelo vento e fustigado pela chuva, rodeado por bravos mirones acenando para a câmara. Nada disso veio: enquanto permaneci no restaurante, o assunto tempestade nos Açores não regressou ao telejornal.

Tinha reservado a tarde para uma excursão ao interior da ilha. Deveria desistir dela? O dia não parecia feio, mas sabe-se como o tempo nas ilhas é instável. Por outro lado, das três ameaças que a Natureza nos reservava, eu estaria, no interior, mais a salvo de pelo menos uma delas: a das ondas alterosas. Que viessem pois a chuva e o vento, e eis-me de abalada para a Lagoa das Patas, que fica a uma altitude de 600 metros na metade ocidental da ilha, a cerca de 15 quilómetros de Angra. Como não queria caminhar duas vezes essa distância, tomei um táxi até lá. O regresso, quase sempre a descer, foi feito a pé. E muito agradável teria sido ele, não fosse a chuva: uma chuva intermitente, a mesma de todos os dias na parte alta da ilha, e não a chuva da tempestade que afinal não chegou.




A Lagoa das Patas, com o seu manto de nenúfares, compõe um cenário de sossego idílico, a que não faltam os bancos a convidar ao repouso; o verde-escuro da cortina cerrada de criptomérias (Cryptomeria japonica) é quebrado por algumas árvores ornamentais: plátanos, salgueiros, choupos brancos. Há ainda um recinto infantil e um parque de merendas onde sobressai uma curiosa construção em forma octogonal, só colunas e telhado. O leito de uma ribeira inexplicavelmente seca serpenteia pelo parque antes de atravessar a estrada por onde vim e por onde hei-de regressar. São ainda as criptomérias que se erguem como um muro verde de cada lado da estrada.

Por muitos benefícios que a plantação intensiva desta conífera asiática tenha trazido à economia e à paisagem açorianas, é óbvio que algo está errado com o Parque Florestal da Lagoa das Patas. Tirando as árvores em redor do lago e alguns poucos amieiros ao longo da ribeira, a diversidade é nula: só há criptomérias. O substracto arbustivo é inexistente; a vegetação rasteira está reduzida a musgos e fetos; não há qualquer vestígio da flora autóctone.

Como explica o livro Açores e Madeira - a floresta das ilhas (vol. 6 da colecção Árvores e Florestas de Portugal, do Público / LPN), ainda sobrevivem na ilha Terceira algumas manchas de floresta autóctone. Não me queixo de serem quase inacessíveis, pois terá sido graças a isso que foram poupadas. Mas era bom que em lugares como a Lagoa das Patas, que já não são de produção florestal, se reintroduzisse gradualmente a floresta própria das ilhas.


Cryptomeria japonica

8 comentários :

Paulo disse...

Tenho um amigo que vive metade do ano no Faial e diz que a Terceira é a ilha menos interessante dos Açores, de tão arranjada e humanizada que está. Segundo ele, é uma ilha sem surpresas, sem mistério. Penso que terá razão. É preocupante essa monocultura das criptomérias.

Rosa disse...

A paisagem Açoriana tem muito de cenário idílico (construído pelo e para o homem) mas também tem destas coisas http://entramula.blogspot.com/2007/09/por-um-smbolo.html

Paulo Araújo disse...

Angra é de longe a cidade mais bonita dos Açores - só por isso vale a pena visitar a ilha. Quanto ao resto, a Terceira certamente não tem o ar selvagem e despovoado de outras ilhas, nem as paisagens de perder o fôlego de São Miguel. Mas o interior da ilha esconde tesouros que vale a pena conhecer - e que eu nunca vi. Talvez só os veja quando lá for passar uma quinzena de mochila às costas, e não os três ou quatro dias que têm durado as minhas visitas (e que coincidem sempre com o melhor festival de Jazz que se faz nas ilhas atlânticas, incluindo a Madeira).

P.S. Alguém deixou um comentário na mensagem anterior ("Convergir") que obviamente se destinava a esta.

VN disse...

A monocultura da criptoméria é um problema que se vem cultivando há várias décadas e que é promovido pelo Governo Regional através dos Serviços Florestais. Nenhuma ilha escapa a este fervor exótico, nem mesmo o Corvo onde foram criminosamente plantadas criptomérias no centro do Caldeirão. Pelo que tenho visto parece-me que a ilha do Pico ainda é a mais poupada ao delírio da criproméria, mas posso estar enganada...

Os açorianos de uma forma geral têm a impressão que a Terceira é a ilha menos interessante dos Açores. Devo confessar que eu própria tinha essa certeza antes de ter tido oportunidade de visitar e conhecer a ilha. É um daqueles equívocos que passa de geração em geração, sobretudo entre micaelenses e faialenses... Já agora e a despropósito enumero aqui a minha lista pessoal por ordem decrescente de interesse:

PICO
São Miguel
Santa Maria
Terceira
Corvo
Flores
São Jorge
Graciosa
Faial

luis disse...

O amigo do Paulo que diz que a Terceira é a ilha menos interessante dos Açores por ser muito humanizada, certamente que quando lá foi apenas andou pelo seu litoral, esse sim muito humanizado, não deve ter ido para o interior onde à semelhança de todas as ilhas, também tem mistérios e surpresas, dou-lhe apenas como exemplos o Algar do Carvão.

a d´almeida nunes disse...

Amigo Paulo
E eu que já me estava a escapar esta oportunidade de deixar aqui um olá a si, a toda a equipa do blogue e à Terceira.
Como estas imagens me são familiares! Bonitas! Ambiente de encantamento, até parece que algures, ali pelo outro lado, do Porto de Pipas, ainda se pressente a alma de El Rey D. Sebastião.
A Lagoa das Patas ou das Falcatas!... As estradas (andavam a arranjá-las há dois anos atrás) que permitem um acesso relativamente cómodo a este local paradisíaco, aí estão elas.
Muito francamente, para mim, Açores é a Ilha Terceira, porquê não me perguntem que eu não sei responder.
Um abraço
António

Paulo Araújo disse...

Olá António.

Aqui no blogue, Açores e Terceira também são sinónimos: nunca falámos doutra ilha. Podia ser um acaso, mas é muito mais do que isso, senão eu não voltava lá tantas vezes. O que não impede, evidentemente, algum sentido crítico.

Abraço,
Paulo

Paulo disse...

Caro Luís.
Também conheço a Terceira. Estive lá apenas uma vez e andei por uma pequena parte do interior. Achei a ilha muito bonita, com uns verdes deslumbrantes, e sei que o meu amigo se referia à falta de um certo ar selvagem que se encontra em algumas das outras ilhas.

A mim, encantou-me o facto de as três ilhas onde estive, as outras são Faial e São Miguel, terem diferenças tão claras. Espero voltar muitas vezes, para conhecer as restantes e redescobrir as que já conheço. Incluo aqui a Terceira, claro.

Cumprimentos.