20/11/2007

Falso jasmim, falsos jardineiros

A jardinagem pública é, em Portugal, uma arte em vias de extinção. Foi talvez no Porto e na Cordoaria que se iniciou a vaga requalificadora que, sob os auspícios do Polis e de outros programas de cariz semelhante, tem modernizado muitas cidades e vilas do país, substituindo canteiros floridos ao gosto oitocentista por eiras de granito chinês. A vegetação remanescente dessas intervenções já não compõe um jardim: será, no máximo, um espaço verde, com muita relva e nenhuma diversidade. O jardim à moda antiga é visto pelas edilidades como sinal de atraso; e os arquitectos convocados para atalhar o aleijão (sempre os mesmos), padecendo de ignorância ou de gosto atrofiado, são incapazes de conceber um espaço moderno que mereça o nome de jardim. Com o fim dos jardins, desaparecem também os jardineiros. Os profissionais que usurparam esse título, e que trabalham nas câmaras ou em empresas ditas de jardinagem, só sabem executar duas tarefas: operar o cortador de relva ou a motosserra. Chamar-lhes jardineiros é tão descabido como chamar cozinheiro a quem trabalha numa churrascaria.


Cestrum elegans

Os novos edifícios da Faculdade de Ciências do Porto, na rua do Campo Alegre, têm à sua volta grandes relvados, mas nada que se pareça com um jardim. Um arbusto curioso, que terá ido lá parar por equívoco, é esse de flores vermelhas que se vê nas fotos. Os «jardineiros» destacados para a manutenção do espaço não sabem o que fazer com ele: parece-lhes grave desleixo deixá-lo crescer livremente, e já por mais que uma vez, de motosserra em punho, o reduziram a quase nada. Numa ocasião até ensaiaram um arremedo de topiária, tosquiando-o em forma de cilindro.


Cestrum psittacinum

Mas falemos das plantas que ilustram este texto. O género Cestrum é nativo do México e da América do Sul e reúne 175 espécies de arbustos e árvores com folhas simples e flores tubulares, geralmente agrupadas em cachos. É uma planta venenosa e ameaçadora para o gado em regiões como a Austrália, onde a espécie C. parqui se tornou invasora, mas, quando se comporta mais regradamente, é redimida pelas suas qualidades ornamentais, pela fragrância das flores, e por fornecer farto alimento às borboletas. O Cestrum nocturnum é o representante mais famoso do género: só à noite espalha o perfume das suas flores, e é por isso conhecido como night-blooming jasmine. Constou-me que existe um desses arbustos no Parque das Nações, em Lisboa.

Além do martirizado exemplar na FCUP, encontrei já o Cestrum elegans no bosquete da Casa Tait (onde fotografei as flores) e em muitos outros jardins. Quanto ao Cestrum psittacinum, a identificação é baseada numa foto do livro The Botanical Garden (vol. I) de Roger Phillips e Martyn Rix, e não é absolutamente segura; o Cestrum aurantiacum tem flores semelhantes mas aparenta ter folhas mais esguias. Estes dois exemplares foram fotografados no Jardim das Virtudes (há bem mais de um ano, estava ele ainda aberto ao público) e no Cemitério Britânico do Porto.

5 comentários :

Paulo disse...

Na próxima Primavera tenho de ir procurar o exemplar nocturno do Parque das Nações.

Filipe disse...

O C noturnum existe no Parque das Nações sim e aqui à volta de Lisboa começa a ser uma planta normal de jardim, vai-se notando pelo cheiro à noite. Eu chamo-lhe dama da noite.
Existe também o C. diurnum, em tudo igual só que espalha o perfume durante o dia.
Sobre "os novos jardineiros" concordo plenamente

Anónimo disse...

Que belos exemplares de Cestrum, por aqui o mais comum é mesmo o C. nocturnum, a Dama da Noite. Quanto aos jardineiros só resta repetir, por todo lugar a mesma coisa, síndrome da globalização? A moda da topiária voltou com uma forca assustadora, devastando jardins naturalistas e modernistas brasileiros...

bettips disse...

Já nem sei que diga dos jardineiros, seguidores de arquitectos "emplumados". Quantos jardineiros seriam pagos pela pretensa árvore gigante? Mas não dava "nas vistas"... Abçs

CrisB disse...

Já é tão raro verem-se os jardins com flores, é uma pena.