31/08/2009

Maçã com espinhos



Datura stramonium L.

Quando a reputação é ruim, nenhuma pátria gosta de se assumir como tal. Os grandes patifes da história deveriam todos surgir de lugar incerto e por geração espontânea, para nenhuma família arcar com nome que é marca de opróbio, nem terra nenhuma ser berço de tal filho. Se as qualidades morais não são atributos das plantas mas dos usos que delas fazemos, existe ainda assim, no reino vegetal, a figura do apátrida renegado por todos. Um exemplo é a erva-do-diabo (Datura stramonium, em inglês thorn-apple): europeus e asiáticos atribuem-lhe origem americana (o que é plausível, pois quase todas as restantes espécies do género Datura são desse continente), mas os americanos rejeitam-na como nativa, chutando-a para os confins da Ásia.

E que mal fez ela ao mundo para merecer tal ostracismo? Para começar, não formando grandes populações nem podendo com justiça ser considerada invasora, aparece sem ser convidada em campos de cultivo, terrenos baldios, jardins e dunas marítimas. Um tal voluntarismo, num mundo que queremos ordenado e previsível, só é tolerado (quando o é) em plantas nativas, categoria a que a nossa Datura não pode, em lugar algum, aspirar pertencer. Acusam-na também de cheirar mal; mas isso, claro está, é medido pela bitola do nosso olfacto, a que nem toda a natureza se tem de subordinar. Acrescentam, a contragosto, que a flor até é agradavelmente perfumada, mas de imediato ressalvam que só abre à noite ou ao fim da tarde, murchando logo de seguida; por isso se justifica tê-la em fraca conta. Alertam-nos para a perigosidade da planta, toda ela venenosa: alucinogénia se ingerida em quantidades mínimas (e usada com esse fim pelos Astecas), a viagem às estrelas por ela induzida pode não ter regresso se a dose for mal calculada. É verdade, admitem, que tem usos medicinais, mas como componente de fármacos (para o tratamento da asma, por exemplo) e não tomada directamente.

Veredicto final? Deixem-na viver: a sua existência é curta (é uma planta anual) e imprevisível (as sementes podem ficar adormecidas no solo durante anos); e, embora não seja de uma beleza fulgurante, é uma planta de utilidade indiscutível (as borboletas e outros insectos gostam dela).

7 comentários :

Luz disse...

Se as borboletas gostam, então tem mesmo direito à vida, pois as borboletas são uma das componentes tradicionais do mundo da primeira infância, são uma espécie de seres mágicos... O que seria dos sonhos das crianças sem as borboletas?
Luz

Luz disse...

PS- Já a conhecia das dunas da Praia do pedrogão e das terras arenosas de cultivo da região de Leiria, mas nunca lhe tinha dado muita importancia. Vou passar a estar mais atenta agora! O que eu aprendo com o vosso blogue!!!
(É por isso que sou vossa fã... Aprendo sempre mointes de coisas úteis!...)
Luz

Paulo Araújo disse...

As borboletas são flores voadoras, e teriam lugar cativo aqui no blogue se não fossem tão esquivas e difíceis de fotografar. Assim sendo, vamo-nos contentando com as flores que não saem do lugar.

(Além de a termos visto nas dunas, tanto a norte como a sul do Porto, também já encontrámos a Datura na berma da estrada na Serra dos Candeeiros.)

Lucy disse...

também eu sou vossa fã embora completamente ignorante e venho todos os dias ao vosso blog que me encanta

Bilma disse...

Muito bonito.
Bom trabalho.
Continuação.
Bilma

(já conhecem as árvores da Arriba?
misteriosas!!!)

www.bilmamundoenatureza.blogspot.com

Carol disse...

POR FAVOR, SE VC SABE ONDE POSSO ACHAR ESSA PLANTA, ME DIGA, JÁ RODEI O RIO TODO ATRAS DELA, POR FAVOOOOOOOOOOOOOOOR

BROGANDOME.BLOGSPOT.COM

Paulo Araújo disse...

O Rio para nós fica muito longe. Se fosse em Portugal, poderíamos ajudá-la.