28/10/2009

Zelha à beira Tua


Acer monspessulanum L. (zelha)

Já não há muitas destas árvores em Portugal. Na Serra dos Candeeiros, ao fundo do grande anfiteatro natural que é a Fórnea, há duas zelhas no leito pedregoso da ribeira, um curso de água sazonal que seca por completo nos meses de Verão. Enraizadas nos interstícios da pedra, cercadas por figueiras e por vegetação arbustiva, não há ângulo que lhes favoreça o retrato. E bem mereciam louvor e exposição pública, por serem quase as últimas da sua espécie em toda a serra. Na impossibilidade de lhes fazer justiça, rumamos ao nordeste do país e à bacia do Douro, que é onde resistem as populações mais abundantes da espécie (há menção, também, da sua presença no Sabugal, na Serra do Açor e na Serra da Arrábida).

O vale do Tua, como se sabe, não é refúgio muito seguro. Se a barragem for construída à cota máxima, também em Abreiro as margens do rio serão inundadas, e esta meia dúzia de zelhas abaixo e acima da linha férrea será submergida tal como o resto da vegetação ribeirinha. Se não se fizer a barragem, ou se o enchimento se ficar pela cota mais baixa, há ainda assim, caso se opte por reconstruir ou modernizar a ferrovia, razões para temer o futuro destas árvores, que quase se roçavam na automotora quando ela por aqui passava.

E assim nos vamos entretendo, pois não há só que contabilizar perdas quando se destrói o património natural. Além de favorecerem as empresas predatórias que fazem da destruição o seu negócio, são estas micro-extinções que vão engrossar os diversos livros vermelhos de espécies ameaçadas, obras de considerável mérito já com tradição em Portugal.

O Acer monspessulanum (zelha, ácer-de-Montpellier ou bordo-de-Montpellier) e o Acer pseudoplatanus (padreiro ou plátano-bastardo) são as duas únicas espécies do seu género espontâneas em Portugal; o segundo, de ocorrência muito frequente no norte do país, é também muito usado em jardins e arruamentos. O A. monspessulanum é de menor porte (até 10 metros de altura) e de crescimento lento, e a sua madeira, dura e compacta, é empregue em carpintaria de luxo e no fabrico de instrumentos musicais - como as gaitas-de-foles de Miranda do Douro. Prefere climas secos e solos calcários, embora, como atesta a sua presença no vale do Tua, tolere outro tipo de solos. A sua área de distribuição natural abrange não só a Península Ibérica, onde é mais comum no norte, mas ainda toda a região mediterrânica.

16 comentários :

Rafael Carvalho disse...

A jusante, conheço alguns escassos exemplares de Zelha em S. Joaninho, concelho de Armamar.
Ainda no Douro, em S. Salvador do Mundo - concelho de S. João da Pesqueira - as zelhas abundam. Com os seus tons outonais, é um consolo vê-las reluzir nesta altura do ano.

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelas indicações que dá. Já é a segunda vez em poucos dias que ouço falar em São Salvador do Mundo; a visita torna-se urgente. A outra vez foi num jardim assombrado - onde, na primeira foto da série, se pode ver justamente uma zelha.

Luz disse...

Linda, esta Zelha! E nós que na nossa sala andamos desesperados à procura do outono que tarda em chegar! Esta fotografia tem mesmo as cores do outono... Que pena que a árvore está tão longe!!!
Luz e meninos do JI de Valejas

Rui Pedro Lérias disse...

Mais um belo artigo deste blog. Sou fascinado pela Zêlha! Bela árvore. Cá mais para Sul parece subsistir ainda na Serra de Montejunto - como mostra o blog "As Minhas Plantas" - e na Arrábida.

Na Arrábida também, parece haver Acer campestre. A ser o caso seria a terceira espécie de bordo autóctone de Portugal. Também já vi este bordo-comum referido para a Serra de Montejunto.

Mas a zêlha é uma paixão antiga, desde que a conheci pela primeira vez nos Pirinéus.

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Rui. Já agora, para quem quiser ver a Serra de Montejunto em fotos, eis o atalho para o blogue As minhas plantas.

Também já tinha lido sobre a provável existência do Acer campestre em Portugal, mas não encontrei nenhuma confirmação fidedigna. Sabendo como estas coisas são vulneráveis, fico à espera de que alguém consiga um comprovativo fotográfico.

Rui Pedro Lérias disse...

Que tal organizar-se uma expedição botânica à Arrábida em busca do bordo-comum? E da sorveira-doméstica? E do Quercus rivasmartinezzii?

:-)

Sei que é longe do Porto...e do Algarve. Mas o que acham? Pôr a sombra-verde, as minhas plantas, os dias com árvores, (mais!), esta malta toda num dia de procura e namoro de plantas.

Paulo Araújo disse...

É uma ideia muito atraente. Nunca fui à Arrábida, mas só porque o nosso país está mal servido de transportes públicos (não me ocorre desculpa melhor).

Teria de ser num fim-de-semana, mas entretanto metem-se uns compromissos e chega o Inverno. E detectar uma árvore dessas despida não deve ser fácil (além de não ter muita piada).

Que tal deixarmos a ideia em pousio até à Primavera de 2010? Nessa altura a Arrábida estará cheia de outras coisas interessantíssimas.

Isabel disse...

Fica desde já a oferta de uma boleia de carro para a Arrábida, a partir de Lisboa, em troca de alguns preciosos conhecimentos!

E aproveito, mais uma vez para agradecer os ensinamentos e as belas fotos.

Rui Pedro Lérias disse...

Vamos então deixar a ideia de molho para já, mas não a deixarei ficar esquecida. Em breve voltarei ao ataque!

bettips disse...

Ofereço eu a boleia daqui do Porto, meninos das árvores! Ando com um programa para a Arrábida há que anos!
Ficamos então em pousio, o Paulo sabe que sou persistente e de folha não-caduca, tipo ...endémica???
E ouvir-vos a contar de árvores...foi só uma vez, pela Cordoaria e Palácio.
Abraços a todos vós

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Sei que chego tarde à discussão, mas claro que a ideia da Arrábida é fascinante. Quem sabe se a Árvores de Portugal não poderá ser a força aglutinadora que congregue várias pessoas, de preferência com algum apoio técnico do pessoal da botânica de Lisboa (da Univ. Técnica e do ISA).

Por acaso, também já li referências à presença do Acer campestre na Arrábida, mas tenho reservas quanto a essa presença.

Em relação à zelha, trata-te de mais uma belíssima espécie autóctone, com um enorme potencial ornamental totalmente desaproveitado nas nossas urbes.

Paulo Araújo disse...

Talvez tenha exagerado as minhas dificuldades de locomoção, mas agradeço (com atraso indesculpável) à Isabel e à Bettips as ofertas de boleia.

Pedro e Rui: como já disse, seria de fazer essa expedição à Arrábida no início da Primavera, embora talvez seja difícil compatibilizar o calendário de todos os interessados. Por mim era ideal a primeira semana de Maio.

joao capelo disse...

sao muito escassos os exemplares, e eu como amante da flora mediterranica gostaria de ter um no meu quintal por isso passei alguns anos a tentar germinar sementes sem nunca ter sucesso, foi entao que descobri um site na holanda que tinha para venda nao uma variedade mas duas variedades,uau, e mandei vir nao uma mas duas plantas, uma enconta-se agora em rio maior perto de uma ribeira e outra esta no meu quintal e sei ainda de outro site françes que as vende e sao lindas as minhas sao variedade ssp. tucomanicum que a diferença sao as sementes serem avermelhadas em vez de serem amarelo esverdeado

Paulo Araújo disse...

Já agora, registe-se que existem duas zelhas no Parque D. Pedro, em Aveiro, junto a uma das pontes sobre o lago. Pode ser por desatenção, mas não conheço mais nenhum jardim público em Portugal onde haja zelhas.

RPL disse...

Caro Paulo, Pedro, e restantes convivas,

A ideia da Arrábida continua bem viva na minha cabeça. Sei que a Primavera é o ideal, especialmente para as flores calcícolas que abundam na arrábida, mas o final do Verão teria algum interesse.

Estava a pensar em organizar um final de semana botânico, no segundo final de semana de Setembro, aqui em Lisboa e arredores. Como alguns de vocês sabem, entretanto abri a minha Loja de História Natural, e queria organizar um final de semana de actividades que permitisse à Árvores de Portugal participar, assim como ajudar a proporcionar um final de semana recheado de coisas sobre plantas. Tinha pensado em 11 e 12 de Setembro por ser o último final de semana antes do início das aulas. A LHN apenas seria um facilitador ao encontro, não penso em actividades pagas. A Arrábida seria do vosso inteesse nessa altura? Dedicar-nos-iamos mais à biogeografia da Arrábida, concentrando-nos em arbustos e árvores e trepadeiras, essencialmente. Algo assim.

Outras actividades poderiam ser, em busca das árvores notáveis de Lisboa, visita guiada ao jardim botânico da Universidade de Lisboa, etc. O potencial é grande!

A alguém agrada esta ideia? Se corresse bem, poderia ser o início de encontros botânicos amadores!

Digam de vossa justiça (quer dizer, não faço ideia se recebem todos estas respostas...).

Um abraço. Estou a ruminar este final de semana seriamente.

Rui Pedro Lérias

Rúben Vilas Boas disse...

Já vou um bocado atrasado, mas para quem gostar de zêlhas e passar por Coimbra, pode ver alguns grandes exemplares (porte arbóreo mesmo, talvez uns 10 metros) na Mata Nacional de Vale de Canas, no início, perto da casa do fogo.
Concordo que o potencial ornamental está muito desaproveitado, pelas folhas pequenas que podem criar belos efeitos de luz, e pela cor das folhas no outono.