05/12/2009

Prelado javanês


Bischofia javanica Blume

Não sabemos o que se passa, mas tudo conspira para continuarmos no vermelho. Poderíamos desculpar-nos com a quadra, propícia ao uso imoderado deste matiz, mas todos sabem que o mundo nos oferece mais com que obnubilar a moleirinha, globalmente aquecida apesar da brisa dinamarquesa. Por isso, se ainda está à escuta, permita-nos que convoquemos mais uma protagonista desta obsessão tintória.

A Bischofia é uma árvore dióica do Oriente (enfim, não todo, é mais abundante em margens de rios ou florestas húmidas da Ásia tropical, Austrália e Polinésia) em cujo tronco rosado, diz-se, os tigres de Bengala afiam as garras. Tem uma copa frondosa, como um baldaquino, que pode chegar aos 20m de altura, e é semi-caduca, pintando de cor rubra (cá está) as folhas antes de elas caírem no Outono, como é aliás frequente entre as euforbiáceas. As folhas são trifoliadas, brilhantes, verde-escuras, com nervura central vincada e margens serradas. Floresce na Primavera com flores verdes, miúdas e sem pétalas, mas que desabotoam em panículas conspícuas, lembrando as do abacateiro (Persea americana Mill.). O fruto é uma baga que amadurece púrpura (eu não dizia?).

É planta de crescimento muito rápido (por isso a apanhámos já grandinha), desenvolvendo um tronco robusto e firme que a tem salvo da queda, embora não lhe fique folha sobre folha, durante alguns furacões em Java. Em pleno sol, como gosta, é fonte abundante de néctar e frutos para pássaros que depois, de papo cheio, dispersam as sementes com tal eficácia que a árvore há muito entrou na lista das piores invasoras em certos habitats, tendo aí sido banida... em decreto. O exemplar das fotos está rodeado por vários outros mais jovens; poucos, para já, pois moram perto do ruído da auto-estrada, onde nenhum pássaro atinado quer ir recolher sementes.

Há mais virtudes reconhecidas a esta planta. Além da vasta sombra, a madeira é densa e resistente à água, usada por isso na construção de cais e pontes. Conhecida no mercado como cedro-de-Java (ou bishop wood, designação com raiz oral, o povo é que sabe), tem cerne vermelho-coral (ora bem) e aroma avinagrado. E, em várias ilhas do Pacífico, é fabricada a partir do alburno uma tinta vermelho-acastanhada (hum) para decorar cestos e "tecidos" tapa (feitos da casca de Broussonetia papyrifera (L.) Vent., como os nossos da cortiça), uma arte de inspiração e mão femininas.

A Bischofia javanica e a B. polycarpa (Lévl.) Airy Shaw são as únicas espécies do género. O nome Bischofia homenageia Gottlieb Wilhelm Bischoff (1797-1845), professor de botânica alemão e autor de obra importante em terminologia e sistemática.

(Depois de divisão recente na família Euphorbiaceae, mudanças ainda não inteiramente homologadas, o género Bischofia transita para outra família, a Phyllanthaceae, juntamente com outras 1700 espécies. Aguardamos, contudo, ordens frescas para efectivar a alteração.)

1 comentário :

OLima disse...

É sempre um regalo para a vista e para a mente vir aqui colher ensinamentos. Bem haja.