10/09/2010

Dos rios que correm no Oeste


Darmera peltata (Torr. ex Benth.) Voss

Também eu, que visitei os EUA uma única vez, trago comigo uma América mental em nada enriquecida ou modificada por tão breve estadia. Trago até várias: a América dos filmes (quem pode hoje escapar dela?) e a América dos livros para rapazes que li na transição para a adolescência. São duas Américas incomunicantes: uma está cristalizada, a outra renova-se a cada ida ao cinema. A América dos filmes confunde-se com o mundo inteiro, mas a que me ficou das leituras desordenadas só a mim pertence.

Que livros eram esses? Lembro-me das biografias dos heróis do Oeste (Davy Crockett, Buffalo Bill, Kit Carson) e sobretudo de um livro com o título A caminho de Ohio. Sei hoje que o estado de Ohio não é propriamente no extremo oeste do continente americano, mas a história da família que venceu dificuldades inconcebíveis para chegar à terra prometida (paisagens verdejantes, rios banhando solos generosos) ficou-me a simbolizar a saga dos pioneiros que atravessam continentes. Quem deixasse para trás o Atlântico só alcançando a costa do Pacífico poderia fugir ao deserto: era assim a minha geografia do Novo Mundo. E não guardei os livros que sustentaram tal tresleitura. Se calhar eram maus livros, tal como eu era mau leitor. Registo que a autora de A caminho de Ohio (que na língua original se chamou By wagon and flatboat e teve a primeira edição em 1938), apesar de usar o nome sonante de Enid La Monte Meadowcroft, foi muito maltratada pela posteridade. Não há edições correntes dos seus livros e nem sequer a Wikipedia a conhece.

Como hoje tais livros ingénuos já não me fazem viajar, recorro às plantas. Para despoletar o efeito alucinogénio (muito moderado, é certo) basta vê-las e conhecer-lhes a história. A Darmera peltata, por exemplo, é originária de uma faixa que se estende do norte da Califónia ao sul do Oregon, onde vegeta nas margens de riachos de montanha. Quantas vezes os heróis do Oeste (ou os vilões por eles perseguidos) não pernoitaram com as suas montadas (no Oeste não há cavalos, só montadas) junto a um desses riachos floridos? Infelizmente os digests biográficos para crianças ou adolescentes não se detinham em descrições do mundo natural. Só agora, já adulto, é que a imagem fica completa.

A Darmera peltata é peculiar por as inflorescências - em hastes que podem superar 1 m de altura - surgirem desacompanhadas da folhagem. As folhas, que aparecem só no Verão e têm cerca de 60 cm de comprimento, são lobadas e ligam-se aos pecíolos pelo centro da face inferior. Esse arranjo, que faz lembrar um guarda-chuva e aliás explica o epíteto peltata, justifica que um dos nomes comuns da espécie seja umbrella plant.

3 comentários :

José Meireles Graça disse...

Este nome, Enid Lamonte Meadowcroft, fez retinir uma campainha na minha memória: era a autora do meu primeiro livro não escolar, "Cavalo Maluco" (o nome de um famoso chefe sioux), que encantou os meus nove anos. Não me lembrava disto há quase cinquenta anos ... Quem me dera rever o livrinho.

CCF disse...

Pura poesia: guarda chuva flor!
~CC~

bettips disse...

Ah...
essa América de setas e diligências, quem a (re)conhece já, a não ser de antiguidades? As bombas-armas e "diligências" para que o money e a liberdade individual, confusa-a-mente, prolifere. E se estenda, como uma mancha que não se apaga.
Gostei, assim, da descrição literária que acompanha a visita da faixa californiana onde a Dalmera peltata habita. E habitará na sua humildade de planta abrigo. Abç