08/10/2010

Cavalgar rente ao chão




Centaurium scilloides (L. fil.) Samp.

Voltamos às plantas que homenageiam os homens enxertados em cavalos ou vice-versa. O Centarium scilloides foge decididamente ao figurino dos seus congéneres, tanto que, se não fossem as flores, nem desconfiaríamos da sua filiação. Em lugar de se apresentar erecto, o C. scilloides é rastejante, só erguendo o pescoço para hastear as flores. As folhas, em vez de serem sésseis e abraçarem o caule, exibem um breve pecíolo e têm formato arredondado. E, incluída num género quase todo ele formado por plantas anuais ou bienais, a planta tem ainda a originalidade de ser vivaz. Assim, embora a sua parte aérea desapareça durante o Inverno, a subterrânea continua viva, pronta para fazer emergir novo caule quando chegar a Primavera.

Ainda que esteja referenciado em quatro países (França, Grã-Bretanha, Espanha e Portugal, incluindo o arquipélago dos Açores), o centauro-rasteiro não é de modo nenhum vulgar: na Grã-Bretanha surge apenas ao longo da costa oeste do País de Gales; na Península Ibérica concentra-se no norte, embora também haja notícia dele em Cádiz; e em Portugal continental parece ocorrer apenas em alguns pontos do Minho (serras do Soajo e da Peneda, Ponte de Lima, Paredes de Coura...). A sua vulnerabilidade garante-lhe a duvidosa honra de estar incluído no livro vermelho da flora ameaçada da Cantábria.

Conhecem-se duas formas da espécie, mas não tão diferentes, na opinião dos botânicos, que se justifique uma separação taxonómica: as plantas açorianas têm flores brancas (confirme aqui), em contraste com as flores cor-de-rosa das plantas continentais.

As fotos que ilustram o texto foram obtidas em duas ocasiões entre Julho e Agosto, a primeira no Parque Natural das Dunas de Corrubedo (Corunha, Galiza), a segunda na estrada que liga o Soajo à Peneda. Nessa área do Parque Nacional da Peneda-Gerês, muito perto do Mezio, predominam as plantações florestais de pinheiros e cedros-brancos (Chamaecyparis lawsoniana). Há quem proclame sobranceiramente (leia-se a discussão aqui havida) que o valor conservacionista de zonas como essa é nulo, e que os incêndios que as têm devastado não trazem prejuízo sério ao nosso único Parque Nacional. Que os taludes das estradas por entre esses pinhais alberguem das poucas populações portuguesas de uma espécie globalmente escassa não é coisa que pese em tais argumentos: a ignorância é a melhor garantia de uma consciência tranquila.

7 comentários :

Unknown disse...

"...a ignorância é a melhor garantia de uma consciência tranquila"... e acrescentaria que é o pior de todos os males.

É um prazer vir aqui espreitar as vossas extraordinárias descobertas de uma flora linda que não fosse o vosso "olho botânico" ,passaria despercebida e/ou ignorada por tantos de nós. OBRIGADA e até sempre!MD

Paulo Araújo disse...

Obrigado pela simpatia, Dalila. As nossas descobertas não são assim tão extraordinárias. Basta andar de olhos abertos - e, em casos como este, estar sempre disponível para encostar o carro na berma da estrada. Só é preciso escolher bem a estrada (e esta do Mezio é altamente recomendável).

carlota disse...

Um coincidencia bem interessante!
Tenho uma pequena propriedade em Bico, P. de Coura, e hoje de manhã numa zona de mata que deixei intacta, em que há cedros, carvalhos e castanheiros, fiquei maravilhada ao ver, no meio das ervas e fetos, estas pequenas flores, tão singelas mas tão orgulhosas da sua simplicidade.
Claro que não sabia que nome lhes dar, mas lembrei-me deste sítio, e cá estava a resposta.
Será que posso fazer alguma coisa para melhor as proteger, para que se possam propagar?
Bem hajam. Obrigada pelo vosso trabalho.
Carlota

Paulo Araújo disse...

É muito bom ter a confirmação de que a planta existe em Paredes de Coura, e que há quem goste dela. Suponho que ela não precisa de grande ajuda para medrar, uma vez que se dá bem à sombra e no meio da outra vegetação. Quando muito seria de limpar alguma vegetação infestante (como a erva-da-fortuna - Tradescantia fluminensis) se ela existir por aí. Também não seria má ideia espalhar algumas sementes em locais onde tenham possibilidade de germinar.

Já agora, gostava de lhe pedir um favor (se puder, envie a resposta para o endereço dias.com.arvores(at)sapo.pt). Sabe-me dizer onde fica exactamente o Lameiro das Cebolas aí em Paredes de Coura? É que há lá plantas muito interessantes que gostávamos de visitar (só em 2011, claro, pois este ano a temporada já passou).

Muito obrigado pela ajuda.

Carlos M. Silva disse...

Olá Paulo e Maria
Numa caminhada feita ontem num trilho que liga Gavieira à 'barragem da Peneda'(e portanto bem mais para dentro da Peneda que o Mezio!),creio que terá sido esta que fotografei.E foi uma mais para o meu pecúlio fotográfico, vendo logo que nunca antes a vira! E apenas por isso lá terei que retornar aos meus ficheiros já de 2008/2009, da S. de Aires,para verificar que nomes dei a algumas e se é a mesma pois de cor rosa só conhecia uma.
Tendo visto o que o Flora-On mostra,foi reconfortante vir aqui e ..sim,já estava cá!Obrigado.
Carlos M. Silva

Paulo Araújo disse...

Olá, Carlos.

Que boa descoberta. O Centaurium scilloides é inconfundível, e por isso a planta que viste não pode ser outra coisa. Por coincidência, no sábado também andámos pela Peneda e pelo Soajo na esperança de reencontrar esta planta. E tivemos sorte. Ela é mesmo muito bonito, e em Portugal (excluindo Açores) só parece existir no Minho.

Abraço

Carlos M. Silva disse...

Olá
Confusão minha e de que nem devia dar conta:há rosas e rosas mas todos os rosas podem enganar o leigo de 2008/2009 (que ainda é, agora, pois claro!)que andou pelo PNSAC em 'botanização precoce'! Não;os rosas eram de uns Dianthus! Tenho mesmo que rever todas as pastas,pelo menos antes de 2010.
Obrigado.
Carlos M. Silva