20/06/2011

Para dar a cor ao monte


Vale da ribeira de Tabãos, em Alfena (Valongo)

Certas plantas são como as pedras do chão: de tão abundantes nem reparamos nelas. É esse o caso das várias asteráceas que reunimos sob a vaga designação de margaridas ou malmequeres. São nomes que nada esclarecem e servem apenas de roupagem à nossa ignorância — roupagem demasiado transparente que não esconde a nudez que vai por baixo. Seria mais honesto chamarmos simplesmente flores a tais hipotéticos malmequeres.

O problema nem é tanto desdenharmos o que é abundante, mas sim fugirmos da trabalheira que dá destrinçar entre dezenas de espécies mais ou menos semelhantes. Até que chega a altura em que é o nosso próprio brio que está em causa: sabemos os nomes das raridades mais esconsas, mas não daquela flor que pinta de um amarelo festivo campos inteiros? É como alguém conhecer um beco mas ignorar o nome da cidade em volta. Foi ao vermos em Alfena, ao fundo de um eucaliptal recém-ardido, como esta planta sublinhava com um traço dourado o curso de uma ribeira, que se nos impôs a obrigação de saber o nome dela.



Coleostephus myconis (L.) Rchb. f. Lepidophorum repandum (L.) DC.

E ei-la já aqui com o BI completo, a que falta acrescentar meia dúzia de informações avulsas. De acordo com a Flora Digital de Portugal, a planta, que abunda de norte a sul do país em prados e terrenos incultos, até recebeu três nomes em português: olho-de-boi, pampilho e pampilho-de-micão. Quanto às medidas, diga-se que os caules, em regra erectos, atingem os 45 cm de altura e que os capítulos florais (que não são flores, mas sim agregados de minúsculas flores) têm cerca de 4 cm de diâmetro. Um detalhe morfológico importante é que as folhas quase abraçam o caule e têm a margem serrada ou dentada. Por último, esclareça-se que o olho-de-boi, além de estar presente, como nativo, na Península Ibérica e em toda a bacia mediterrânica, também teve artes de se instalar noutros países ou regiões (República Checa, Alemanha, Grã-Bretanha, Suiça, Açores e Madeira).

Errata. Afinal — e agradeço a correcção a Miguel Porto, da Sociedade Portuguesa de Botânica — a planta tinha sido mal identificada, o que tanto pode reforçar a ideia da dificuldade que há em distinguir as asteráceas como abalar seriamente a nossa já periclitante reputação de naturalistas. Endémica da Península Ibérica, a Lepidophorum repandum (é esse o nome correcto) prefere terrenos húmidos e, segundo a Flora Digital de Portugal, é conhecida por cá como macela-espatulada. Menos comum do que o olho-de-boi, diferencia-se deste (informa Miguel Porto) por as suas folhas terem um recorte diferente, além de se acumularem na metade inferior do caule em vez de nele se distribuirem de alto a baixo.

4 comentários :

@guia-real disse...

Bom dia!! mais um excelente post!!

Paulo e Maria, Agradeço pela partilha do vosso imenso conhecimento botânico, que tornou a caminhada do sábado passado, um verdadeiro despertar do interesse da flora no PNPG....muito Obrigado! esperamos repetir este tipo de actividade! e qdo quiserem caminhar connosco é só aparecer!

Um Beijo e um Abraço!

Paulo Araújo disse...

Boa tarde, Miguel!

O passeio foi uma ocasião verdadeiramente simbiótica, pois de modo nenhum recebemos menos do que aquilo que demos. A companhia foi excelente e sozinhos nunca nos teríamos aventurado por aqueles trilhos.

Claro que era bom repetir - enquanto não se fartarem de ouvir o latinório dos nomes botânicos. Talvez na Serra da Estrela? Aí o ganho seria quase todo nosso, pois de facto conhecemo-la muito mal.

Abraço,
Paulo

Carlos Venade disse...

Maravilha. Nunca tive a oportunidade de ver esta planta. No zona onde vivo (litoral norte) é muito mais abundante Coleostephus myconis, muito parecida, daí a vossa confusão inicial, bem compreensível em quem não se aventura nos meandros da botânica.
Se na próxima saída que fizerem me derem dela notícia talvez eu tenha a oportunidade de me juntar e vós e aprender convosco.

Paulo Araújo disse...

O Lepidophorum repandum é abundante e fácil de observar no litoral de Montedor, em Viana do Castelo, no meio daquele maravilhoso mato rasteiro de tojo e urze entre o pinhal e as rochas costeiras. A floração deve começar em Abril. Depois de se perceber a diferença com o Coleostephus, percebe-se também que o Lepidophorum é bastante mais bonito.