30/08/2011

Têucrio lusitano



Teucrium salviastrum Schreb.

Não sei se também vos acontece: quando lemos «endemismo lusitano», invade-nos uma curiosidade que não se sacia com a mera leitura das Floras. E, se nos damos conta que o período de floração está quase no fim, é um lufa-lufa até viajarmos para algum dos lugares onde a planta já foi observada. Mais ainda se uma tal preciosidade é uma das (apenas) quinze espécies do género Teucrium que são espontâneas em Portugal. Um tal afã levou-nos a uma ladeira muito íngreme, forrada de cascalho solto, em Fajão, na serra do Açor, para vermos este endemismo do centro e norte de Portugal, que ocorre entre os 600 e os 1900 metros de altitude. O fotógrafo destemido, qual cabrito, não hesitou. Mas havia poucos exemplares, e em todos eles já as flores estavam secas.

Avançámos esperançosos para o plano B. Na ficha de uma visita de estudo da Sociedade Portuguesa de Botânica a escarpas e prados do Marão, lemos a promessa de encontrarmos esta planta, cuja floração, em teoria, decorre entre Junho e Agosto. Embora a data limite das inscrições estivesse já vencida, ainda havia vagas (abençoados os portugueses indiferentes a estas iniciativas) e pudemos participar. Depois de subirmos uma encosta, avistámos dois ou três pés com magníficas flores rosadas. Contudo, como têm notado, o Verão este ano anda amuado e, nesse dia e naquela escarpa, esteve especialmente trombudo. Resultado: tocámos nas folhas, reparando como são coriáceas mas acetinadas, com margens crenadas e face inferior esbranquiçada; apreciámos as inflorescências com duas flores em cada nível, viradas para o mesmo lado; e louvámos as belos cálices corcundas (de uns 6 mm) e as corolas bilabiadas, agasalhadas exteriormente pelo que nos pareceu algodão, com o lábio maior pintado de lilás. Mas, para nosso desalento, o frio e o nevoeiro fustigaram-nos o bastante para inviabilizar qualquer foto.

Quando o destino insiste em contrariar-nos, é avisado não guardar por mais tempo o trunfo na manga. Seguimos, portanto, para a serra da Estrela. Ali também a metereologia nem sempre sorri ao visitante, mas é fácil encontrar plantas na berma da estrada, numa corridinha com o carro à vista. Talvez não haja, por esse mundo, montanha tão bem servida de acessos; por vezes nota-se mesmo algum exagero em prol do nosso conforto, quiçá em detrimento de plantas e bichos. Deixemos isso, porque o passeio foi um regalo. As populações de Teucrium salviastrum que se exibiam aos estradeiros formavam tapetes extensos e estavam no auge da floração. Depois, mais acima na montanha, voltámos a vê-lo em fendas de rochas, mas os exemplares eram de menor porte e havia cabras prontas a comê-los.

Brotero, que publicou uma nota sobre esta planta em 1827, poderia ter sido o seu primeiro descritor. O naturalista alemão Johann Christian Daniel von Schreber (1739-1810), que estagiou em Upsala com Lineu, adiantou-se-lhe em 1773, mas não sabemos se a viu e onde.

A origem do nome Teucrium não está estabelecida. As fontes hesitam entre dois gregos famosos: Teukros, rei de Tróia; ou Teucro, filho de Télamon e Hesione, meio-irmão de Ájax, perito no arco e na flecha. Plínio não esclarece, apesar de exemplificar a génese deste nome com o par Achilles-Achillea. Já o latim salviastrum não levanta dúvidas: alude à semelhança (astrum) das folhas e flores desta planta com as de algumas salvias (como a S. officinalis L.).

A Flora Ibérica indica pólio-montano como designação vernácula portuguesa do T. salviastrum; porém, segundo os autores de Portugal Botânico de A a Z, esse é o nome comum do T. polium L.: mais uma vez, um endemismo português parece não ter nome nosso.

5 comentários :

Anónimo disse...

Olá Maria e Paulo.
Já reparara no v/ regresso mas sou (às vezes)contido nos comentários; mas bem hajam pelas amostras que nos prometem.
É verdade que os caminhos (de carro) podem ser numericamente exagerados mas uma coisa tenho reparado andando pelas montanhas e isto é a opinião de um leigo: por vezes são os caminhos (pedestres) atravessando a montanha e as pessoas que os 'pisam' que podem proporcionar a dispersão de muitas das plantas de montanha pois que são esses caminhos, por vezes, os únicos lugares que o sol ilumina para a melhor frutificação das flores silvestres; claro com todos os riscos associados ao pisoteio.
Quanto à flora que nos prometem fico a aguardar ansioso, tendo tu Paulo a particular aptidão de nos aguçar a ansiedade.Tendo já efectuado algumas incursões na Serra (para além da que o Alexandre me (e a outros)guiou recentemente,cá espero pela nomenclatura correcta do que já tenha fotografado e tenha deixado sem nome.
Abraço
Carlos Silva

Paulo Araújo disse...

Olá Carlos.

Obrigado pelo comentário (e não precisas de te conter, és sempre bem-vindo).

A questão das estradas e caminhos é complicada. Mas a verdade é que a Serra da Estrela está demasiado bem servida de acessos. Nós, preguiçosos, agradecemos, mas a serra talvez não.

Os caminhos pedestres são outra história. Há plantas que precisam de sol e que só nas clareiras proporcionadas pelos caminhos podem desenvolver-se. Mas a própria abertura dos caminhos e o pisoteio podem pôr em risco espécies vulneráveis. E, frequentemente, as plantas oportunistas são espécies ruderais (às vezes invasoras) sem grande interesse.

Abraço,
Paulo

Crix disse...

Olá Maria e Paulo
Mais uma vez encontrei aqui a resposta para a identificação de uma planta 'para mim desconhecida'. Este ano também fui fazer as minhas férias na Serra da Estrela, mais especificamente nas Penhas da Saúde. Fui já tarde demais para apreciar as flores da Serra. E encontrei 'este tal' pequeno arbusto com a espiga da flor já seca, o que me dificultava a identificação. Eis que acabei de reconhecê-lo :)))
Grande abraço

Paulo Araújo disse...

Olá Cristina.

Pois é, isto aqui é serviço público, e ainda bem que há quem tire proveito dele. Para uma planta endémica do nosso país, este Teucrium é até bastante comum na Serra da Estrela. Nas zonas de maior altitude, aguenta-se em flor até meados de Julho. Só não é o nosso Teucrium mais bonito porque existe o T. chamaedrys.

Abraço,
Paulo

Crix disse...

Também não conhecia mas esse já está mais à minha mão ;) Na próxima primavera, vou procurá-lo
Abraço e bom fim de semana