17/10/2011

Erva-salgueira em versão XL

Epilobium hirsutum L.
Há plantas que, por não serem frequentes ou por não terem utilidade óbvia, nunca suscitaram a atenção do povo e por isso nunca receberam nome vernáculo. Até que chega alguém preocupado com a lacuna e, fazendo-se passar por povo, inventa uns nomes estapafúrdios a que chama "nomes comuns". Essa obra apócrifa é de fácil detecção, pois atribui às camadas populares uma erudição botânica deveras surpreendente. Exemplo ilustrativo é fornecido pela planta de hoje, que seria popularmente chamada de epilóbio-eriçado. Somos pois convidados a acreditar que o povo, além de conhecer a designação científica das plantas, ainda tem umas luzes não despiciendas de latim e de morfologia vegetal. Que nos perdoe quem prossegue tal obra de exaltação da sabedoria popular, mas nós não caímos nessa. E há ainda a questão de a palavra epilóbio, posto que bem sonante, não evocar nada de conhecido. O verdadeiro povo iria estropiá-la e torcê-la até que ela ganhasse maior poder sugestivo. Pé-de-lobo? Epilobo? Aceitam-se sugestões.

Porém, como temos que chamar alguma coisa às plantas, e há quem nos tome por pedantes se usarmos apenas os nomes científicos, somos forçados a inventar designações. Mas assumimos a autoria. Não é o povo da mítica aldeia que usa estes nomes, somos nós, citadinos, aqui no blogue. Pelo espaço de dois ou três parágrafos, a planta de hoje fica então a chamar-se erva-salgueira, que é tradução do inglês willowherb. É favor não a confundirem com a salgueirinha ou erva-carapau (esses sim genuínos nomes populares), a qual, apesar de partilhar com a erva-salgueira a preferência por habitats encharcados, pertence a uma família botânica muito distinta.

Dentro das plantas do género Epilobium, em geral ervitas de flores minúsculas que aparecem nos nossos canteiros sem pedirem licença, a erva-salgueira faz figura de gigante: pode atingir os 2 metros de altura e as suas flores (de um rosa vistoso, com o estima dividido em quatro segmentos) têm quase 3 cm de diâmetro. Em comum com as outras espécies do género, as flores aparecem no extremo daquilo que parece ser um longo pedúnculo, mas é de facto o ovário — o qual, depois de fecundado, se transforma numa "vagem" de onde saem as sementes envoltas em filamentos sedosos. O nome científico Epilobium refere-se aliás à circunstância de a corola estar sobreposta (epi) à cápsula (lobos) do fruto que há-de ser.

Sem ser rara, em Portugal a erva-salgueira não é muito vista: de acordo com a Flora Digital de Portugal, aparece no nordeste, no litoral centro, na região de Lisboa, no interior alentejano e na serra algarvia. Os esporádicos encontros que com ela tivemos não desmentem totalmente esse mapa: na serra dos Candeeiros, junto à lagoa grande do Arrimal; nas margens do Tâmega, em Amarante; e no vale do rio Távora, afluente da margem esquerda do Douro. Em Inglaterra, onde foram captadas as imagens, é uma planta comum nos habitats húmidos que lhe são favoráveis.

2 comentários :

Anónimo disse...

Olá Paulo
Quando a vi pela 1ª vez, não a conhecia, como sucede com a maioria.E de facto tem um porte ainda maior que o da à E. angustifolium que um ano depois também vi para meu deleite (mas esta não cá,ainda!).
De facto foi numa ribeira fronteira a uma herdade (a caminho de Avis),onde entrei para uma cache 'neolítico-funerária' que a vi,em Junho/2009; cá para cima..nada!
Os pormenores que indicas sobre a flor são deliciosos face ao aspecto diferenciado dos estames. Obrigado.
Carlos Silva

Paulo Araújo disse...

Olá, Carlos.

O E. hirsutum tem a reputação de ser comum em Portugal, mas, podendo sê-lo no sul ou no nordeste, não o é certamente nos lugares que costumamos frequentar aqui no norte (por exemplo, não existe no Gerês). E seria um "cache" e tanto encontrar por cá o E. angustifolium (que, segundo as últimas notícias, ainda vai sobrevivendo no Gerês).

Abraço,
Paulo