19/04/2012

Marizii de Sousa


Silene marizii Samp.


A pequena freguesia de Aguiar de Sousa, outrora abrangendo uma área mais vasta e sede de um concelho que incluía Gondomar e Paços de Ferreira, deve ter tido uma flora semelhante à de Valongo; em linha recta, as duas povoações não distam mais de 6 quilómetros. Vítimas do mau planeamento, da eucaliptização e da construção desproporcionada de viadutos e auto-estradas, exibem hoje habitats semelhantes mas no pior sentido. O que sobra da riqueza botânica de outros tempos, agora ameaçado pela prática de escaladas, refugia-se nas escarpas e afloramentos rochosos que moldam o vale apertado onde galopa o rio Sousa. Nas margens ainda se encontram amieiros, freixos, salgueiros e uma mão cheia de carvalhos, sobreiros, pilriteiros e loureiros. Mas são as herbáceas que nos reservam as melhores surpresas.

No lugar do Salto há paredes onde a água escorre em abundância e alimenta populações notáveis de Saxifraga lepismegena, Narcissus triandus, Scilla monophyllus, Hyacinthoides paivae, Ceratocapnos claviculata, Ranunculus bupleuroides e outras de que vos falaremos se houver ocasião. Nas fendas rochosas mais altas persistem bons exemplares de Davallia canariensis e Cheilanthes hispanica. E, na base dos pedregulhos graníticos, quando não exposta ao sol, mora um endemismo raro de distribuição esparsa, do centro-oeste da Península Ibérica e do noroeste de Portugal: a Silene marizii Sampaio. Segundo a Flora Ibérica, as escassas populações espanholas desta espécie incluída na Lista Vermelha da Flora Vascular Espanhola situam-se no centro montanhoso da Península; em Portugal é mais abundante, havendo registo dela no Minho, na foz do rio Tua (a uns 100 metros de altitude, o que significa que será afogada pela barragem), na serra do Caramulo, em Mangualde e no Sabugal. A que se acrescentam as populações de Aguiar de Sousa, em altitudes entre os 80 e os 100 metros.

Em fotos, esta Silene pode confundir-se com a S. latifolia, mas não ao vivo — e, em Aguiar de Sousa, há populações próximas de ambas as espécies para as podermos comparar fielmente. A S. latifolia é mais alta, só dá flores brancas, não é pegajosa e parece preferir a proximidade de ribeiros ou bosques. A S. marizii é igualmente perene e dióica, mas a mesma população pode (entre Abril e Julho) dar flores cor-de-rosa-pálido ou brancas (em proporção idêntica, havendo mesmo populações grandes só de flores brancas); e toda a planta é muito glandulosa, além de exalar um aroma acre intenso. O hábito é prostrado e o caule bastante ramificado, mas vimos indivíduos mais erectos com uns 60 cm de altura. As flores masculinas têm o cálice pigmentado de vermelho, sendo esverdeado o das femininas, que exibem um pedicelo mais longo. Curiosamente, as plantas masculinas mantêm a flores viçosas até um ou dois meses depois de as femininas frutificarem.

A designação Silene marizii, de 1909, impôs-se a alternativas que colocavam a planta noutro género (Melandrium glutinosum Rouy (1894), Melandrium viscosum Mariz (1887)) ou a subordinavam a outra espécie (Silene alba ou Silene dioica), e homenageia o naturalista português Joaquim de Mariz (1847-1916), exímio taxonomista que colaborou na elaboração das Floras de Portugal de Gonçalo Sampaio e António Xavier Pereira Coutinho.

6 comentários :

Miguel disse...

Mui interessante esta nota.

No estado espanhol, a espécie também está presente na Galiza, embora cada dia menos presente. :( Nesta ligação aparecem os censos das pequeníssimas populações galegas: http://www.magrama.gob.es/es/biodiversidad/temas/inventarios-nacionales/09047122801a347b_tcm7-22220.pdf

Pois bem, uma delas poderia ter sido exterminada por algo tão necessário como ampliar uma pista de montanha (que já era larga demais).

Um saúdo

Carlos M. Silva disse...

Olá Maria
Já ontem havia lido e guardado esta v/ página; mas hoje voltei aqui e algo tilintou ao olhar as flores - saberão certamente,que a um leigo,tilinta sempre baixinho -e abrindo uma pasta minha de Abr/2009,e olhando/comparando as folhas desta com o que fotografara tilintou de forma bem mais solene!
Bem;como dizem ser comum no Minho suponho que bate certo;de facto em Abr/2009,no exterior do Mte.Pilar, P.Lanhoso,tê-las-ei fotografado? tendo permanecido desde então apenas com o singelo nome Silene#1.
Bem hajam pela que mostram!
Carlos M. Silva

Maria Carvalho disse...

Caro Miguel:
Obrigada pelas boas notícias (apesar de tudo). Não sabíamos dessas populações na Galiza (nem a Flora Ibérica nem a Anthos as mencionam), mas desconfiámos que existiriam porque a planta ocorre no Gerês (em lugares altos; o acesso difícil a esses sítios está, felizmente, a protegê-la).
Um abraço.

Maria Carvalho disse...

Olá Carlos.

Neste caso, pelas fotos é difícil ter a certeza. Temos de ir ao Mte. Pilar, onde nunca estivemos (se cada semana tivesse dois fins...). E viste flores brancas?

Um abraço.

Carlos M. Silva disse...

Olá Maria
Brancas não vi ou o que vi de branco achei ser a S. vulgaris.E vi várias espécies de Silene, como (ou o que achei ser!!??),a S. gallica, e a S.nutans, acho!
Para visitar o Mte.Pilar convém irem em período 'sabático' da brigada das limpezas, pois num regresso meu do Gerês,o ano passado,passei lá para tentar eventual/ rever a Nemophila maculata que lá fotografara,e a brigada das bermas já havia por lá passado!
Mas mando-vos p eliminar qqs. dúvidas!
E mando-vos uma Silene que no meu regresso de Sanabria,em Set/2011 vi em Feces de Baixo,no Tâmega espanhol mas na fronteira,mas como o rio continua para cá,talvez possa existir por cá mas não sei o nome.E é estranha(para mim).
Abraços
Carlos M. Silva

Anónimo disse...

Será que quereria dizer Aguiar de Sousa que incluia Gondomar e Paredes?

Cumprimentos (antonio)