07/06/2012

Flor do talco


Alyssum serpyllifolium Desf.


A questão de Olivença, que volta e meia ressurge nas páginas interiores dos jornais, não é o nosso único conflito mal resolvido com os espanhóis. Já houve a guerra das rosas, e avolumam-se sinais de que não tardará a guerra da flor-do-talco. Mas "guerra" é termo excessivo: é um desacordo feito de pequenos remoques, como brasa que nunca será chama.

"Flor-do-talco" não é como "flor de sal", pois trata-se de uma entidade vegetal (a que é retratada nas fotos) e não mineral. Diga-se, porém, que tal nome é invenção nossa para uma planta que, segundo a Flora Digital de Portugal, já dispunha de uns tantos, a saber arçanhas, comélos e tomelos. É que o nosso primeiro encontro com o Alyssum serpyllifolium deu-se na albufeira do Azibo, junto a uma antiga extracção de talco. O talco, para quem não sabe, não é apenas um pó para uso em bebés, mas sim um minério, o mais leve que se conhece. É também um dos constituintes habituais das rochas ultrabásicas, coisa que em Portugal só existe no nordeste transmontano.

As formações ultrabásicas, ou serpentínicas (para leigos como nós os dois termos são sinónimos), caracterizam-se por serem muito ricas em metais pesados como magnésio e ferro, e quase destituídas de azoto, fósforo e potássio, que são nutrientes essenciais à maioria das plantas. Não há pois muitas delas que possam sobreviver em tais habitats; as que o fazem são especiais ou tiveram de se adaptar.

O Alyssum serpyllifolium é uma das plantas que, em Portugal, só aparecem nos ultrabásicos transmontanos. No entanto essa não é a sua ecologia exclusiva nos demais países onde ocorre (Espanha, França, Argélia, Marrocos e Tunísia), pois também gosta de substratos calcários. As diferenças que as plantas portuguesas exibem em relação às outras (apresentam em geral porte mais débil) levaram ao registo, em 1967, por Dudley e Pinto da Silva, da subspécie lusitanicum. Pode no entanto dar-se o caso de essas diferenças serem tão-só induzidas por um habitat que impõe um dieta invulgar, e não reflectirem uma diferenciação genética merecedora de reconhecimento taxonómico. A inevitável divergência de opiniões tem um cunho marcadamente nacionalista: só alguns portugueses (vejam-se a Nova Flora de Portugal de Franco e a Checklist da Flora de Portugal) aceitam como boa uma subespécie que é ignorada pelos espanhóis — e, em particular, pelos autores da Flora Ibérica.

A sul de Macedo de Cavaleiros, e em especial ao longo da estrada que atravessa o monte de Morais em direcção à freguesia de Lagoa, o Alyssum serpyllifolium é muito frequente, impossível de não ver durante a floração, que atinge o auge entre Maio e Junho. Quem quiser mapear os ultrabásicos transmontanos não tem mais que fazer-se à estrada durante esse período e estar atento aos inconfundíveis sinais amarelos. Como escreveu Carlos Aguiar, este pequeno arbusto (de não mais que 30 cm de altura) «é o mais fiável bioindicador de rochas ultrabásicas no NE de Trás-os-Montes».

1 comentário :

Carlos Aguiar disse...

Uma curiosidade. Esta planta é um bioacumulador de níquel. Pode ultrapassar os 3% deste metal por kg de peso seco. Fantástico.