04/02/2013

Umbigo dos Açores

Umbilicus horizontalis (Guss.) DC.
Com as nove ilhas dos Açores espalhadas meio ao acaso no Atlântico, não é fácil decidir em qual delas se situaria o umbigo. O paralelo entre a morfologia do arquipélago e a anatomia humana — que em todo o caso deveria, como é tradicional, iniciar-se pelas extremidades do corpo — soçobra ainda na fase do esboço. Ao contrário do que o título possa sugerir, porém, nunca planeámos tal empreitada. Pretendemos apenas explicar como os umbigos açorianos (ou certos umbigos em certas ilhas açorianos) são diferentes dos do continente.

Falamos, como é próprio deste espaço, dos umbigos vegetais, que são as plantas mais ou menos carnudas pertencentes ao género Umbilicus. A inspiração para o nome vem da covinha no centro de cada folha, que corresponde no avesso ao ponto onde ela se une ao pecíolo. Traduzido para o vernáculo, o nome da espécie do género mais comum em Portugal, Umbilicus rupestris, ficou a ser umbigo-de-Vénus. Tinha que ser Vénus, pois em toda a galeria da história ou da mitologia foi ela a personagem feminina que mais vezes se mostrou em público com o ventre a descoberto. (E os homens — sussura alguém — os homens não têm umbigo?)

Nos Açores, além do U. rupestris, ocorre como espontâneo o U. horizontalis, que não existe nem na Madeira nem em Portugal continental, embora tenha uma distribuição ampla nos dois lados do Mediterrâneo. Os dois umbigos coexistem nas nove ilhas com vantagem geral para o primeiro, mas nas Flores as posições invertem-se: o U. horizontalis é muito comum e o U. rupestris muito raro. Nas restantes ilhas convém saber distingui-los, o que se consegue facilmente observando a postura das flores: no U. rupestris elas apresentam-se pendentes, enquanto que no U. horizontalis elas dispõem-se horizontalmente graças ao pedúnculo quase nulo (o epíteto da espécie não poderia ser mais certeiro).

Há outras diferenças entre as duas espécies que a planta acima exibida não ilustra cabalmente. Em geral, as flores do U. horizontalis são avermelhadas, e as suas hastes florais, ao contrário do que sucede com o U. rupestris, apresentam numerosas folhas. O facto de só ter fotografado uma planta, ainda por cima pouco desenvolvida, estando a ilha cheia delas, explica-se pela tentação, a que os botânicos amadores são especialmente susceptíveis, de apenas valorizar o que é raro. Afinal, pensei eu, não vim a uma ilha tão remota para registar plantas iguais às que se instalam sem cerimónia nas minhas floreiras. Mas o que parecia igual não o era, e o único remédio é prometer que as fotos serão substituídas por outras melhores logo que as tenha.

Umbilicus horizontalis na ilha de Santa Maria — Junho de 2013

6 comentários :

bea disse...

Bom nome para esta planta.

Miguel disse...

Pois a estes umbigos (os rupestris, que quase não há outros) chamam-lhes por terras da Galiza com o nome, menos venéreo, de "couselos".

bea disse...

E qualquer deles é bom nome.Condiz. A pobre da planta é um bocadito sem graça :)

Carlos M. Silva disse...

Olá Paulo e Maria
Se há partes do corpo humano que foram, são e serão 'trovadas' não creio que o umbigo seja uma delas! No entanto, deverá ser um fascínio qualquer que o humano tem com 'pequenas concavidades'.De facto ainda à um ano numa tentativa falhada de ir ao Monte Morias,fiquei a saber que por lá, mora o 'Umbigo do mundo', supondo eu que não seja o único! E claro ..nada tem a ver com plantas, pelo menos directamente, salvo o facto de nesse 'umbigo' ser terra de uma outra planta que ainda não vi. Quanto a este umbigo, horizontal,não o conhecia, obviamente.Agora ..por que razão apenas nos Açores está este? resquícios do 'Umbigo da Atlântida'? Obrigado pela mostra horizontal deste umbigo!

Paulo Araújo disse...

Olá, Carlos.

A distribuição das plantas tem por vezes descontinuidades inexplicáveis. Não há motivo razoável para que uma planta que é espontânea no Mediterrâneo e nos Açores não o seja também no continente português ou na Madeira. As plantas essencialmente macaronésicas com presença residual no continente costumam ser consideradas por aqui como relíquias pré-glaciares, mas o U. horizontalis não encaixa nesse modelo.

Com que então há um umbigo de importância mundial no Monte Morais? Nos Açores, os acidentes geológicos a que podemos chamar umbigos (as crateras, claro) são tantos que é difícil a escolha.

Abraço.

Carlos M. Silva disse...

Olá
Parece que sim!; à dois anos tentara (sem sucesso,porque muito concorrido, no Ciência Viva/Geologia no Verão) visitar o Monte Morais (obrigado por me corrigirem pois que,julgo, Monte Morias não deverá existir!); de facto não era a geologia o meu interesse imediato mas uma planta que parece só lá existir (e ainda cheguei a pensar lá ir quando estive em Macedo de Cavaleiros!)e de uma família de que por cá não existirá quase nada selvagem! Depois lembro (após pesquisa) pois creio que a família seria (ainda bem que fui verificar pois ia dar asneira): Phacelia tanacetifolia! Boraginaceae ou Hydrophyllaceae como está no Calflora.net) que julgo já ter sido indicado pelo Carlos Aguiar; ..bem ..acho não estar equivocado!! E em busca desse monte ..parece que por lá ..está um dos umbigos primordiais da Terra; no fundo ..as 'tripas da Terra' de quando era bem mais nova uns 300-500 milhões de anos!!
Eih ..mas vocês têm o v/ blog a Phacelia campanularia! Estarei a confundir com esta?
Ah ..e sim: vê aqui o comentário do Carlos Morais: http://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=monte%20morais%20phacelia&source=web&cd=1&cad=rja&ved=0CCwQFjAA&url=http%3A%2F%2Fplantas-e-pessoas.blogspot.com%2F2011%2F03%2Fnemophila-maculata-hydrophyllaceae.html&ei=oNgUUbzMJcy6hAeEtIDQAw&usg=AFQjCNHcU_bBN6NgSCdliJU0MShLDJD7hw

Abraço
Carlos M. Silva