22/07/2013

O velho, o farol e o lótus

Lotus azoricus P. W. Ball


Ninguém diria, ao contemplar os tapetes prateados que este Lotus estende generosamente na ravina do Farol de Gonçalo Velho, em Santa Maria, que estamos perante um dos mais raros endemismos açorianos. Presença confirmada nas Flores, Pico, São Jorge, São Miguel e Santa Maria, só aqui, no extremo sudeste da ilha mais oriental do arquipélago, é possível observá-lo com vagar, sem que sejam necessários feitos de escalada ou outras proezas atléticas. No resto da ilha já a história muda, pois a maior parte do contigente sobrante migrou para um dos ilhéus adjacentes. Tal preferência por espaços exíguos e desabitados é repetida nas Flores, onde a única população conhecida do Lotus azoricus partilha um ilhéu com um exército de aves que, defendendo aguerridamente as suas crias, defendem também a vulnerável planta da agressão humana.

Há três outros Lotus, endémicos do arquipélago da Madeira, que muito se assemelham ao Lotus açoriano no porte rasteiro, na textura acetinada e na aparência das flores cor-de-vinho: são eles o L. argyrodes, L. loweanus e L. macranthus. Como a flora madeirense sempre foi mais conhecida e estudada do que a açoriana, não espanta que, antes de se reconhecer a sua singularidade (o que só acontecu em 1968), o L. azoricus tenha sido confundido com um ou outro dos seus primos madeirenses, recaindo a escolha sobre o L. macranthus. Folheando o livro Flora Endémica da Madeira (1.ª edição, 2000), de Roberto Jardim & David Francisco, ficamos porém a estranhar que não tenha sido eleito o L. argyrodes, réplica muito mais convincente do endemismo açoriano.

O Lotus azoricus, que vive em falésias costeiras em altitudes inferiores a 80 metros, é uma planta perene, com base lenhosa persistente e hastes muito ramificadas com um máximo de 60 cm de comprimento. As flores, que surgem nos meses de Primavera logo a partir de Março, apresentam pedúnculo curto e têm 2 a 3 cm de diâmetro, e as vagens medem uns 6 cm. A abundantíssima população do farol garante, por si só, que a espécie não corre perigo de extinção a menos de desastre cataclísmico. Seria bom, porém, controlar o ímpeto de espécies invasoras como a piteira (Agave americana) e o chorão (Carpobrotus edulis), que roubam espaço ao lótus e a outros emblemáticos endemismos açorianos como a Azorina vidalii e a Spergularia azorica.

Farol de Gonçalo Velho, Santa Maria, Açores

5 comentários :

bettips disse...

Já o disse abaixo: olhar ao perto e poder ver (ainda e também) o longe onde fica o perto, é um prazer imenso. Este farol empoleirado parece uma construção de crianças, um brinquedo!
Abç

bea disse...

nunca senti essa água que tanto parece um lugar de estar.

Quando nos sentimos sós somos noite marítima, faróis apagados na distância. Ali.

Obrigada pelas paisagens

jeanne disse...

pergunta de alarve: isto é comestível? Parece beldroega, ou "pourpier" (talvez seja a mesma coisa)

Paulo Araújo disse...

Tratando-se de uma espécie ameaçada, com pouquíssimas populações conhecidas, não é boa ideia desatar a comê-la, mesmo que seja comestível. Mas suponho que não é, pois as espécies mais comuns do género não são usadas para consumo humano.

jeanne disse...

obrigada. não se assuste, era só pergunta...