20/09/2013

Gaspar & os patalugos


Leontodon filii (Hochst. ex Seub.) Paiva & Ormonde


Há um ano, demos notícias sobre o patalugo-menor (Leontodon rigens), uma espécie de Leontodon endémica dos Açores, de porte grande e corimbos densos de inflorescências amarelas vistosas. É uma planta rara nas cinco ilhas em que ocorre, com excepção das Flores onde se pode encontrar até em bermas de estrada e penhascos costeiros. Faltou então mostrar o irmão, o patalugo-maior, de que há registos em São Miguel, Terceira, São Jorge, Pico e Faial e que, de mais avantajado, só tem os capítulos florais (com muito mais florículos) que são, todavia, solitários e portanto de efeito mais modesto.

Crê-se que as duas espécies descendem de um Leontodon europeu ou da Macaronésia, chamemos-lhe Leontodon-mater. Contudo, o parentesco real entre os dois endemismos açorianos, o Leontodon rigens e o Leontodon filii, que admitimos terem o mesmo ascendente, está ainda por esclarecer. A interrogação justifica-se porque, nas ilhas em que as duas espécies coexistem (Pico, São Jorge e São Miguel), elas competem pelo mesmo nicho, com uma floração quase simultânea (com o L. filii ligeiramente atrasado) e, por isso, podendo até beneficiar dos mesmos polinizadores. Estranha-se esta concorrência em família, e desconfia-se que a razão dela pode ser complexa e difícil de provar.

Alguns botânicos conjecturam que, depois de aportar às ilhas mais orientais, o Leontodon-mater chegou às Flores ou ao Corvo e, por isolamento geográfico num novo ambiente, criou no grupo ocidental do arquipélago uma espécie nova, o Leontodon rigens. Como em alguns mitos gregos, do Leontodon-mater não houve mais notícia, a selecção natural terá agido em conformidade. Entretanto, nas ilhas do grupo central, o Leontodon-mater também se adaptava ao novo habitat e fazia aí aparecer outro endemismo, o Leontodon filii, com idêntico desaparecimento da planta-mãe. Ninguém esperaria, claro, que os dois endemismos, nados em ilhas distintas, fossem idênticos. Não são, de facto: há diferenças notórias na morfologia das inflorescências e alguns marcadores genéticos confirmam a separação das espécies. Mas, admitindo que evoluíram longe um do outro, não é estranho que tenham tantos traços em comum? Que ambos sejam lenhosos na base, tomentosos, com látex branco, só com folhas basais, aceita-se, devem ser feições herdadas da mãe, que desconhecemos, a que não puderam escapar. Mas por que têm ambos, por exemplo, folhas com margens dentadas exactamente com o mesmo perfil, se as muitas espécies de Leontodon no continente variam bastante de forma neste pormenor?

E, voltando à questão que aqui nos trouxe, como é que os dois endemismos surgiram juntos nas três maiores ilhas do arquipélago? Talvez o filho das Flores e Corvo tenha colonizado estas três ilhas, numa viagem de retorno uma geração depois, e o confronto com o irmão não tenha sido prejudicial a nenhum deles. Não há, de momento, indícios de que esta convivência venha a ter como desenlace o fim de um deles — até porque correm boatos de que este patalugo-menor nas ilhas centrais é na verdade um patalugo-médio, o terceiro endemismo açoriano deste género, distinto do L. rigens inicial. Enfim, teremos de reavaliar a situação e voltar ao assunto daqui a, digamos, um milhão de anos.

Interior do Pico Gaspar com Euphorbia stygiana, Leontodon filii, Blechnum spicant, Myrsine retusa e Juniperus brevifolia
O exemplar das fotos pertence a uma população do Pico Gaspar, uma caldeira vulcânica pequena de paredes íngremes e vários narizes, que guarda uma flora notável. Revimos a planta na caldeira de Santa Bárbara, na Rocha de Chambre e até num talude de estrada que parecia um alforje de endemismos.

3 comentários :

bea disse...

Penso que já vi estes espécimes fora dos Açores.
São plantas fortes, com vocação de aguentar o que vier.

ZG disse...

patalugos é um nome belíssimo! Mais um óptimo post!

ZG disse...

O Pico Gaspar - será homenagem ao grande cronista açórico Gaspar Frutuoso?