16/12/2013

Verde, logo azul


Vaccinium myrtillus L.
Nos países frios do norte da Europa, a apanha de mirtilos silvestres é bastante mais comum do que em Portugal a colheita de amoras. Não se trata de obter proventos comerciais, mas de recuar à infância da humanidade, ao tempo em que não havia agricultura e o sustento era assegurado pela produção espontânea da natureza. Talvez porque o nosso gosto refinado rejeite os sabores rudes e não padronizados dos frutos silvestres, ou talvez por simples ignorância, o certo é que a actividade de recolecção não tem entre nós muitos adeptos. Amoras, pilritos e medronhos abundam de norte a sul do país, mas — tirando a colheita de medronhos para aguardente na serra algarvia — pouca gente tira proveito de tão copiosa oferta. Nas terras altas do noroeste a ementa é enriquecida pelo mirtilo, fruto que, por motivos bem compreensíveis, ninguém tem o hábito de colher: embora o arando (Vaccinium myrtillus) seja relativamente frequente em carvalhais, matos e até plantações florestais em altitudes elevadas (em geral superiores a 800 m), as condições climatéricas do nosso país não favorecem a produção de frutos. Um dia inteiro de colheita pela serra dificilmente daria matéria prima para um miniatural frasco de compota.

Apesar disso, e como o leitor pode verificar com uma breve googlada, desde há 18 anos que, com grande sucesso, se cultivam mirtilos na região centro do país, especialmente em São Pedro do Sul e Sever do Vouga. Só que, apesar da semelhança dos frutos, as variedades cultivadas são de origem norte-americana e nada têm a ver com o nosso mirtilo espontâneo, que tão fraca vocação mostra para a produção intensiva. É de facto incorrecto, como se faz nesta página, descrever o mirtilo como um fruto silveste. O mirtilo cultivado é tão silvestre como uma maçã golden, o que por certo não o impede de ser delicioso.

O melhor mirtilo genuinamente português, tanto pelas virtudes ornamentais como pela abundante produção de frutos, mora em pleno oceano Atlântico, nas ilhas dos Açores: trata-se da uva-da-serra, ou Vaccinium cylindraceum, um arbusto que é endémico do arquipélago mas é ignorado pela população local. Façamos votos para que a compota de uva-da-serra seja algum dia tão obrigatória em mercearias e supermercados açorianos como são hoje o doce de capucho e o licor de maracujá.


Vaccinium cylindraceum Sm. — exemplar albino — ilha Terceira

5 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Há referências à existência de mirtilos espontâneos aqui no Douro. Nunca tive porém a felicidade de me cruzar com algum.
Enquanto isso não acontece, vou-me contentando a apreciar os mirtilos cultivados do meu jardim.
Cumprimentos.

Paulo Araújo disse...

O mirtilo encontra-se no Marão com alguma facilidade, mas só nas zonas mais altas. Também sei dele a sul do Douro, na serra da Freita. Que ocorra na região duriense não é improvável, embora haja talvez poucos habitats adequados.

Saudações.

ZG disse...

Sim, nos altos do Marão e da Freita encontram-se os belos mirtilos com facilidade. Quem sabe se não os haveria também em Mértola, a antiga "Myrtilis Iulia"?

bea disse...

Os nossos frutos silvestres são afinal de cultura:)

É airoso o exemplar albino dos Açores.
Obrigada pela mostra
BFS

bettips disse...

Tão lindo que parece natal!

Abraços para vós, fiquem bem e que a Natureza sempre vos espante. Que o partilhem connosco é meu desejo antigo e continuado.