10/02/2014

A cinza antes do fogo



Genista cinerascens Lange



Quando se discute a «limpeza» dos matos e o problema da acumulação de «combustível vegetal», é de giestas, tojos, urzes, estevas, sargaços e carqueja que se está a falar. Tais presumíveis culpados pela «catástrofe dos incêndios» nunca são chamados pelo nome, quem sabe se para evitar que a ânsia de serem notícia os leve a imolarem-se em fogos ainda mais destrutivos. Esse modo de amalgamar grande parte da riqueza florística das nossas serras num plural indiferenciado e pejorativo (os «matos») promove, na teoria e na prática, um desprezo pela biodiversidade que nenhuma acção de sensibilização ambiental consegue contrariar. Muita gente bem intencionada julga que plantar árvores é louvável em qualquer lugar e circunstância, não importando que com isso se destrua algum mato e uma ou outra ervita. Pode acontecer, porém, que aquilo que se perde tenha um valor conservacionista muito mais elevado do que a árvore que insistimos em plantar naquele ponto exacto. Um exemplo paradigmático foi a razia que levou a melhor população de narciso-trombeta (Narcissus pseudonarcissus) da serra de Arga, junto ao parque de merendas da Senhora do Minho, para se plantarem duas dúzias de bétulas.

As giestas ou piornos — assim são chamadas muitas leguminosas dos géneros Cytisus, Spartium, Genista e Retama — também podem ser motivo de entusiasmo para quem aprendeu a conhecê-las. Todas elas valem pelo amarelo exuberante da floração, a que se acrescenta um cheiro que vai do intensíssimo (e meio enjoativo) perfume do Cytisus striatus à delicada fragrância a limão da Genista florida. Algumas são raridades, sobrevivendo em nichos e em populações escassas, e não deveriam ser ignoradas nos planos de monitorização e conservação da natureza. É nesta última categoria que entra a Genista cinerascens, um bonito arbusto que o João Lourenço nos deu a conhecer, em Junho passado, no planalto de Montalegre. A sua área de distribuição em Portugal é algo incerta, o que em parte se deve à confusão com congéneres muito semelhantes. Assim, João do Amaral Franco, no vol. 1 (publicado em 1971) da Nova Flora de Portugal, não refere a ocorrência da espécie no nosso país, mas informa que a G. obtusiramea, que é similar embora exiba porte bem mais rasteiro, ocorre nas serras da Estrela e do Larouco. A Flora Ibérica (ver pdf) sustenta, pelo contrário, que por cá temos não a G. obtusiramea mas a G. cinerascens, embora a distribuição que atribui a esta última (Beira Alta, Douro Litoral, Minho e Trás-os-Montes) seja insolitamente vasta. É porém indubitável que as plantas que observámos em Montalegre, com a serra do Larouco à vista, encaixam, não apenas pelo porte (algumas ultrapassavam 1 m de altura, quando a G. obtusiramea não excede os 40 cm) mas também pelos ramos floridos geralmente erectos, na descrição da G. cinerascens feita pela Flora Ibérica.

A G. cinerascens, cujo epíteto específico é explicado pela cor acinzentada dos ramos velhos, é um endemismo ibérico do centro e oeste da Península, que se distingue pelas folhas simples, sedosas em ambas as páginas, e sobretudo pela pilosidade do estandarte floral (observável com alguma dificuldade na última foto aí em cima). O perfume, tanto quanto recordamos, não é de desdenhar, mas não é comparável em doçura e requinte ao da Genista florida que lhe fazia companhia e de que os nossos narizes tiveram dificuldade em separar-se. Nada obstava à nossa permanência, pois as duas Genistas comungam uma índole pacífica que se traduz pela ausência de espinhos.

5 comentários :

bea disse...

Desconhecendo embora as designações eruditas das giestas, não imagino o campo sem elas. Na verdade é pior, não imagino a primavera ou o verão sem essa alegria exuberante de amarelos espontâneos; não sei pensar a vida das matas fora do seu cheiro. Porque o campo não cheira apenas à terra-chão, mas à mistura olfactiva de cheiros naturais que em nós se insinua. E a que nenhum perfume de fábrica ousa beijar os pés.

Boa semana

bettips disse...

Os "Piornos" da serra da Estrela devem ter a ver com essa bela exuberância!

Carlos M. Silva disse...

Olá

Lembro do dia, em que acompanhando-vos, o homem da água (e ele não é o culpado, mas talvez uma confraria qualquer lá instalada, uma espécie de sociedade pseudo-secreta!!) que teimava em regar as ainda poucas árvores já plantadas - conjunto a ser alargado e que, pelo texto, suponho ter sido - falava de umas plantitas que incomodativa e teimosamente ali brotavam da terra.
Pelos vistos já não brotam.
Brutos é o temos. E brotam de forma ignorante em qualquer lugar.

Quanto às giestas ..são um mundo, a que fui/venho prestando atenção ..pelo alimento que são de muitos insectos e muitas borboletas.
Abraço

Carlos M. Silva

Paulo Araújo disse...

Olá, Carlos.

Com alguma sorte, se calhar algumas ainda brotam. Março é o mês de ir lá fazer a inspecção. Até porque, pela serra fora, ainda sobram muitos narcisos a salvo dos plantadores de árvores, e este ano eles devem sair gordos e felizes com tanta chuva.

Abraço,
Paulo

GL disse...

Em termos meramente estéticos fazem de um qualquer campo uma maravilha.