01/03/2014

Mini fusca


Ophrys pintoi M. R. Lowe & D. Tyteca
As flores das orquídeas do género Ophrys, sem néctar ou outra recompensa para os polinizadores, apostaram em certo momento da sua evolução na mimetização de insectos, aproveitando-se do pequeno lapso de tempo entre o fim da hibernação dos insectos-macho e o das fêmeas para atraírem os primeiros e, através de falsas cópulas, lhes entregarem pólen ou receberem o que eles trazem de outras flores. Para além da aparência enganosa, com zonas no labelo que, quando brilham ao sol, parecem asas, as flores produzem feromonas quimicamente muito semelhantes às exaladas pelos insectos-fêmea, e distribuem de modo adequado o veludo e a penugem no labelo para que a semelhança táctil seja perfeita. Algumas orquídeas dependem inteiramente do sucesso deste mecanismo para produzirem sementes, e por isso o ardil tem de ser exímio: há que garantir que a planta se destaca na profusão de sinais químicos e visuais da natureza, como um canto de soprano rompendo a massa instrumental de uma orquestra. O resultado é uma especialização tão hábil das flores que raramente este emparelhamento entre a morfologia da flor e um insecto envolve espécies distintas. Mas acontece. O mesmo insecto pode visitar flores de diferentes espécies, e da troca de pólen nascerem híbridos. Isso não é de todo mau se as mudanças na morfologia continuam a ser apreciadas pelo polinizador, e até pode constituir uma vantagem: se o insecto burlado jura a patas juntas que não volta àquela flor, no ano seguinte visita ingenuamente o híbrido, e assim se perpetua o logro; ou então surge outro insecto que se adapta melhor à nova morfologia da flor e que, substituindo o polinizador original, aumenta as oportunidades de disseminação da planta.

Quando isto sucede, é natural que as alterações genéticas se tornem estáveis e se formem orquídeas que se distinguem claramente dos progenitores. É então legítimo propor que, na taxonomia, elas se tornem espécies independentes. Foi o que fizeram os autores deste artigo (Michael R. Lowe & Daniel Tyteca, Two new Ophrys species from Portugal, J. Eur. Orch.44 (1): 207 – 229. 2012) relativamente a duas formas de Ophrys do centro do país que à primeira vista pareceriam ser de incluir em Ophrys fusca (espécie altamente polimorfa) mas que exibiam características muito distintas. Uma delas, a que aparece nas fotos, assemelha-se a uma versão anã da O. fusca; a outra é alta, mais profusa na floração, e prevê-se que tenha um polinizador distinto. Para a primeira, Lowe e Tyteca propuseram a designação Ophrys pintoi, homenageando o botânico português António Rodrigo Pinto da Silva (1912-1992); à segunda chamaram Ophrys lenae, aludindo o epíteto específico ao rio Lena, da serra dos Candeeiros, onde foi colhido o holótipo da nova espécie.


Pinheiros-mansos (Pinus pinea L.) no Horst de Cantanhede
Vimos muitos exemplares de O. pintoi no Horst de Cantanhede, durante uma saída de campo organizada pela AOSP (Associação de Orquídeas Silvestres — Portugal). Ali o solo é branco de tanto calcário, margoso e escorregadio, a entremear rochas com belos fósseis do Jurássico. O horst é um pedaço longo de terra, do Zambujal até Lemede, que se ergueu quando apertada por duas placas da crosta da Terra que chocaram, provocando um desfasamento do chão. A fauna e a flora deste raro ecossistema, e a sua importância geológica e paleontológica, justificam e exigem dos responsáveis um programa de conservação exemplar.

2 comentários :

Angel Mar disse...

Lindas flores da Ophrys. Atenciosamente

bea disse...

A "mini fusca" tem qualquer coisa de voraz que não destrinço se lhe vem da cor, se do aspecto de dedos ou da penugem em que se envolve; o certo é que me parece uma flor com desejo de aderência. uma espécie de armadilha natural de aspiração ao polinizador

Mas isto sou eu que não entendo das flores senão a beleza aparente e nem sabia o que era um horst.
BFS