04/05/2014

Donzelas

Sob o calor intenso do início da tarde, éramos muitos pares de olhos atentos, animados pelo prazer de registar lembranças de um lugar novo. Os calcários de Castro Vicente haviam prometido revelar um elo inédito entre um pedaço do nordeste do país e a serra de Sicó, e não se fizeram rogados. Entre as inúmeras espécies de orquídeas e outras preciosidades, lá estava florida esta planta parasita natural da região mediterrânica que há muito procurávamos, parente rara desta outra de flores amarelas e igualmente comestível e doce.



Cytinus ruber (Fourr.) Fritsch


Sem produzir clorofila, toda a planta habita dentro das raízes do hospedeiro, perto do caule, e só é visível durante o curto período de floração, que decorre nos primeiros meses da Primavera. Na inflorescência, as flores masculinas estão no centro, as femininas no bordo protegidas por um corpete de brácteas carmim. São polinizadas por formigas e os frutos são bagas brancas com várias sementes. Estas têm um início de vida atribulado. Com escassas reservas de nutrientes, precisam de localizar rapidamente um espécime de Cistus albidus que as alimente. As observações dos botânicos parecem indicar que a roselha emite sinais químicos que a semente reconhece e cuja origem localiza, desde que o processo decorra em poucos dias (antes que as reservas da semente se esgotem) e a poucos milímetros do futuro hospedeiro: a frágil semente lança então uns pequenos filamentos que se orientam em direcção ao Cistus, conectando-se ao tecido vascular da planta hospedeira.


Cistus albidus L.
Há quem deduza destes detalhes que não se trata afinal de puro parasitismo; que as duas plantas, roselha e pútega, se ajudam mutuamente. Para a parasita, as vantagens são óbvias; mas é um enigma que benefício tira o Cistus albidus desta parceria. Talvez a planta parasita facilite a captação de azoto, aumente a presença de fungos que enriquecem o solo, ajude o hospedeiro a absorver algumas substâncias orgânicas e o proteja de infecções. Mistério maior parece ser o processo evolutivo que levou plantas, seres em geral dotados de uma auto-suficência invejável, a renunciarem ao talento de fotossintetizar.


Castro Vicente

2 comentários :

Rafael Carvalho disse...

Aqui no Douro falam-me das pútegas. Eu contudo, apesar de ter alguma sensibilidade para o assunto, nunca consegui localizar nenhuma.
Cumprimentos.

bea disse...

As fotos da Cytinus ruber estão uma maravilha. Já pensaram em concursos? Estão extraordinárias - contam o florir da planta e mostram-na em toda a sua beleza comestível, carnuda, a dar-se ares de flor de cera.
Obrigada pela mostra. O que tiveram de palmilhar...santos deuses.