07/06/2014

Espelho nosso


Legousia scabra (Lowe) Gamisans
Estima-se que em Portugal, continente e ilhas, ocorram cerca de 4 mil espécies de plantas, algumas exóticas. Embora este número seja actualizado de vez em quando, para incluir as novidades e, sobretudo, para se adaptar às frequentes revisões taxonómicas, certo é que estamos ainda longe de as ter visto todas. Mas há que reconhecer que a apresentação de plantas que aqui fazemos tem os dias contados e, como aconselharia o nosso estimado Carlos Silva, teremos de passar às borboletas.

Façamos, porém, uma pausa. Se bastasse aos botânicos catalogar as plantas que vêem, sem ter em conta a multiplicidade de lugares onde podem ser encontradas e, consequentemente, desvalorizando as associações entre elas e a necessidade de programar a sua conservação de um modo compatível com o nosso uso do território, a botânica seria uma ciência com fim à vista. Terminada a listagem, bastaria manter um serviço eficiente de secretariado para pôr em dia as perdas e ganhos da biodiversidade, mais aquelas que estes. Ora o que lemos nas Floras mostra que o trabalho dos botânicos (e, mais geralmente, dos biólogos) não é tarefa miúda ou sequer à beira da conclusão. Além de ser essencial conhecer as plantas em detalhe, um saber que nos dias de hoje exige informação genética e domínio de aspectos teóricos sofisticados, é preciso ter um plano geral das suas escolhas de habitat, que ignoram as linhas de fronteira que traçamos nos mapas, e responder pela coexistência de animais e plantas, num programa global de sobrevivência. Francamente, cuidar de um mundo tão estragado, constantemente sujeito a perturbações, é tarefa de valentes. Estranha-se que quem tem poder de decidir sobre o nosso ambiente não estime a valia destes cientistas e não se guie por eles.

Para os amadores, que se passeiam pelo campo quando lhes apetece, e que amuam se não encontram as raridades que querem observar, um trabalho bem sucedido de conservação das plantas é um passaporte para inúmeros passeios e lições, de botânica e, às vezes, grego ou latim. A planta das fotos, uma herbácea esguia mas de média estatura que vimos nos calcários de Santo Adrião, em Vimioso, dá disso testemunho (pode ver aqui um mapa das populações de que há registo em Portugal). O nome do género homenageia Bénigne Legouz de Gerland (1695-1774), político francês e entusiasta pelas ciências e pelas artes, que deu a Dijon um centro de História Natural, um jardim botânico e uma escola de Belas-Artes; o epíteto latino scabra refere-se à aspereza do caule da planta. Em inglês, a espécie Legousia hybrida é conhecida como espelho-de-Vénus.

Quando o sol aquece, as flores da Legousia abrem completamente, formando um prato, e exibem um azul quase púrpura; caso contrário, reduzem-se a uma campânula meio fechada de cor azul pálida. Dias seguidos de chuva e nevoeiro em Maio podem levar as flores a não desabotoar de todo, restando-lhes a auto-polinização. Por isso, são bem-vindos os dias soalheiros que, diz a ciência das nuvens, se avizinham.


Minas de Santo Adrião, Vimioso

5 comentários :

bea disse...

Plenamente de acordo. Acrescento ser tarefa de conhecedores valentes e perseverantes no amor às plantas. A verdade é que calcorrear Portugal por trilhos feitos e a fazer só pode advir de uma dedicação quase ilimitada.

A plantinha de hoje é uma primorosa obra de arte do mundo natural.Obrigada pela mostra e BFS

ZG disse...

Deve ser um sítio fantástico! Bela flor e belo post!!

ZG disse...

A Botânica nunca se esgota!!
Tb há as plantas cultivadas, os briófitos, as algas, os líquenes e os fungos!! Um manancial inesgotável!

ZG disse...

Maior perigo que o de se esgotarem as plantas é o perigo de se esgotarem os botânicos (que do seu estudo se ocupam), já dizia o grande A.R. Pinto da Silva...

Carlos M. Silva disse...

Olá

Posts sempre com coisas que vocês encontram nos confins! E nada de inventarem que o 'mundo das plantas está por um fio'!!! Mas estou como o ZG, e as Poaceae? não são flores!!? Não é que as aprecie por aí além, falta-lhes as cores que as outras têm em 'excesso', mas há muitas e com particularidades que desconheço.
Sim, as borboletas (e o resto) estão à vossa espera ..mas estão pousadas em plantas, e flores!
Abraço.
Carlos M. Silva