28/02/2015

Lembrança de África


Plantago afra L.


A vida nas cidade obriga a rotinas nem sempre agradáveis mas que se podem revelar úteis. Sendo lugar com muitos utilizadores e nem sempre devidamente asseado, tem-se vindo a notar que os que ainda nela caminham o fazem de olhos postos no chão, em permanente vigilância. Não é uma postura aconselhável, mas o corpo habitua-se e mantém essa posição mesmo quando se encontra num sítio joeirado, numa duna conservada ou num campo de flores silvestres. Aí, porém, a atenção pode desviar-se para as boas descobertas, como as plantas do género Plantago, frequentes e fáceis de reconhecer.

Os plantagos têm em geral uma roseta basal densa de folhas (algumas largas, com nervuras que lembram a planta do pé), além de algumas folhas lineares no caule, e notam-se melhor na época da floração, que decorre entre o fim do Inverno e o Verão. Não que as flores sejam vistosas; pelo contrário, são pequenas e esverdeadas, com sépalas e pétalas transparentes. Mas reúnem-se por vezes às dezenas em espigas de pé alto, e as anteras amareladas no topo de filamentos longos formam uma nuvem ovóide muito atraente. A polinização está entregue ao vento mas é benéfico que os que se cruzam com esta planta toquem nas cápsulas de sementes, sacudindo-as de tal modo que elas se abram através de uma tampa no topo, como se fossem panelas, libertando o conteúdo. Por isso, não surpreende a abundância de plantagos em bermas de caminhos e terrenos pisoteados.

O plantago das fotos é uma planta anual débil que não segue exactamente o padrão de morfologia atrás descrito, pois falta-lhe uma roseta basal bem definida. Gosta de lugares secos, bem arejados e soalheiros, sejam eles pastagens, prados, clareiras de matos ou solos arenosos ralos que trazem à memória o norte de África. O epíteto afra refere-se precisamente a esta região africana, mas a distribuição desta herbácea é mais vasta: é nativa da região mediterrânica, parte da Ásia, ilhas Canárias e Península Ibérica (embora aqui seja rara no terço norte). As sementes desta espécie contêm uma goma que, uma vez humedecida, é utilizada medicinalmente em laxantes.

A distribuição do género Plantago é curiosa, mas coerente com o seu apreço por habitats ruderalizados ou sem forte concorrência de outras plantas. Das cerca de 270 espécies conhecidas, o maior grupo concentra-se na Europa, um conjunto um pouco menor tem origem na Austrália e na Nova Zelândia, e as restantes espécies, já poucas, espalham-se de modo avulso pelo resto do mundo. Em Portugal há registo de dezasseis espécies, duas das quais são endemismos ibéricos, mas o número subiria para dezassete e incluiria um endemismo português se o Plantago almogravensis (da costa vicentina) fosse considerado distinto, como de facto parece ser, do P. algarbiensis.

2 comentários :

bea disse...

Será a lembrança condicionada pelos lugares que a planta prefere,secos, arejados, soalheiros...ou o título condiz com outra semelhança que me escapou...

Maria Carvalho disse...

O título também quis aludir ao facto de esta planta ter sido descrita por Lineu a partir de exemplares do norte de África.

Curiosamente, na região sul de África a percentagem de plantas anuais é bastante reduzida. Parece que este tipo de ciclo de vida (o deste plantago) resulta de uma adaptação a habitats com uma ocupação humana intensa e antiga.