17/03/2015

O ajardinamento da ria Formosa



A ria Formosa é um sapal salgado (não uma ria) bastante extenso, com inúmeros canais, salinas, ribeiras e praias, e um cordão dunar notável. Para além de ser bafejada por uma flora extraordinária, é um habitat preferido por tantas aves que se justifica plenamente um compromisso internacional de conservação. Como sabemos, por cá um tal programa de protecção significa que se aceita que é uma área protegida se isso não impedir a fruição do lugar, e consequente licença de construção de casario que se abeire de zonas sensíveis. Esse avanço sobre os areais e a pressão do turismo no Algarve talvez venham a arruinar este ecossistema que, em teoria, todos gostaríamos de preservar.

Na maré baixa, os sedimentos do fundo da zona lagunar indiciam alguma poluição, que o cheiro parece confirmar. Na ria Formosa conjugam-se as influências do oceano Atlântico e do Mediterrâneo, e isso nota-se pelos exemplares de flora mediterrânica e atlântica que ali coabitam. Em Abril, cobre-se do amarelo da elegante parasita Cistanche phelypaea, que em Fevereiro vimos a despontar. Nessa altura, as cores dominantes eram o glauco da Halimione portulacoides, o castanho-ferroso do Arthrocnemum macrostachyum e o verde-cinza dos inúmeros arbustos de Limoniastrum, que revestem as partes mais altas do sapal e começavam então a florir.


Limoniastrum monopetalum (L.) Boiss.


Esta Plumbaginaceae de folha perene é nativa de sapais e estuários da região mediterrânica, mas há quem assevere, sem todavia o provar, que é planta introduzida na ria Formosa: não sendo afinal assim tão formosa, a ria terá talvez sido ajardinada; nessa intervenção de que a história não guarda lembrança estaria a origem de algumas das plantas que agora lá vegetam; em particular, a lavanda-do-mar, de reconhecido valor ornamental, teria ali sido introduzida por ter um período de floração longo, por formar populações densas e, quem sabe, por poder actuar como despoluente. Custa a crer, mas é esta, por exemplo, a opinião da Flora Ibérica. Pelo contrário, no vol. 2 (publicado em 1984) da Nova Flora de Portugal, de Amaral Franco, e em obras mais recentes sobre a flora portuguesa (como o Guia de Campo — as árvores e os arbustos de Portugal continental, edição de 2007 do Público e da LPN) dá-se como certo que é nativa em Portugal. Parece, contudo, que a voz dos botânicos portugueses sobre a flora nacional é demasiado tímida. No portal Flora-On só há registos da presença desta planta na costa sul do Algarve, mas o Guia da LPN indica que também ocorre na costa Vicentina e no estuário do Sado.

Depois de admirarmos as espigas com brácteas coriáceas e flores de corola rosa-violeta, tubular e assalveada, pudemos reparar como é que estes quase-arbustos enfrentam a subida das marés: garantem que as inflorescências e os raminhos novos nascem no topo da folhagem e, como nós, arregaçam as folhas, deixando vulneráveis apenas as raízes e os talos na base. As folhas são alternadas, de um verde azulado, com uma bainha que lembra uma argola na junção ao caule, e têm as faces salpicadas de pedrinhas brancas. Julgámos tratar-se de cristais de sal, mas não é só isso: através dessas glândulas, e por um processo enzimático ainda não inteiramente entendido, a planta elimina outros excessos e toxinas que absorve em ambientes contaminados.

Não vimos frutos, mas são umas pêras pequenas e alongadas, de pé frágil, tolerantes ao sal do mar que os dissemina.

1 comentário :

bea disse...

Os esquemas que as plantas encontram para sobreviver em ambientes hostis ou menos propícios!...desde resistir às marés a eliminar toxinas. Muito industrioso. E não pensam; olha se.