21/04/2015

Tomilho das areias


Thymus carnosus Boiss.


O suiço Pierre Edmond Boissier (1810-1885) é dos autores botânicos que mais assiduamente nos visita, embora o faça discretamente, usando a abreviatura Boiss. em vez do nome completo. Há duas semanas, porém, ao falarmos desta linária miniatural, nomeámo-lo por extenso. Agora que repetimos a dose convém recordar aos distraídos que o icónico lírio-do-Gerês recebeu o nome de Iris boissieri em homenagem a Edmond Boissier.

Pelo que pudemos respigar em livros e páginas da Internet, Boissier não parece ter alguma vez assumido qualquer cargo oficial ou académico. A fortuna familiar permitiu-lhe dedicar a vida às expedições botânicas e à escrita e edição dos livros em que descrevia as plantas descobertas por si e pelos seus colaboradores. Com uma vincada predilecção pelo Mediterrâneo e pelo sul da Europa, grande parte das 6000 espécies que lhe são creditadas foram colhidas em Espanha ou em Portugal. Desse grupo faz parte o tomilho de hoje, baptizado no tomo II do seu Voyage botanique dans le midi de l'Espagne pendant l'anné 1837. Boissier sublinha que este Thymus carnosus, já anteriormente assinalado nas praias de Setúbal mas atribuído então a uma outra espécie, se singulariza, entre outras coisas, pela consistência carnuda das suas folhas.

Habitante de dunas e de pinhais litorais, este pequeno arbusto, que exibe hastes erectas de não mais que 40 cm de altura e folhas com margens muito enroladas, ocorre apenas na Península Ibérica, e só a oeste do estreito de Gibraltar. A presença na província de Huelva desqualifica-o, por escassa margem, como endemismo lusitano, mas é na costa portuguesa desde a Arrábida até Vila Real de Santo António que se encontra o grosso das suas populações. Fazendo parte da pequena lista de plantas legalmente protegidas em Portugal, a sua inclusão nos anexos da Directivas Habitats é plenamente justificada, embora raramente lhe assegure a protecção que merece. A sua (cada vez mais esporádica) presença nas praias do Algarve nunca fez refrear a construção de hotéis ou de aldeamentos turísticos, nem motivou o impedimento de acesso dos veraneantes a algum areal mais vulnerável.

Vimos o tomilho-carnudo na ilha de Tavira, perto da praia do Barril, e também no Vale do Garrão, num dos fragmentos de pinhal que os espampanantes bairros de vivendas com palmeiras ainda não engoliram. Era aí que um pequeno arbusto, enchendo-se de brios por saber que morava num dos metros quadrados de areia mais caros do país, fazia desabrochar, adiantando-se ao calendário, as duas ou três primeiras flores da temporada.


Vale do Garrão

3 comentários :

bea disse...

Têm visitas de há dois séculos! Homessa...isto é que é um blogue improvável. Conheço esta espécie das areias. Às vezes passo por ela e suas florinhas imperceptíveis.

Jardineiro do Rei disse...

Já vi este Tomilho numa duna da Praia do Meco - Sesimbra. Alguém tentou arrancar um com raiz mas desistiu e ele lá jazia, morto, com uma imensa raiz, muito maior que o seu pequeno porte. Talvez o tamanho da raiz tenha a ver com a necessidade de chegar à zona húmida que se encontra longe da superfície. Será?

Um abraço

João

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário muito pertinente. De facto, muitas das espécies adaptadas às dunas desenvolvem raízes muito fundas para buscarem água e nutrientes e para melhor lidarem com a instabilidade do seu meio. A Honckenya peploides é outro exemplo de uma planta com raízes enormes que não se deixam adivinhar à superfície (vejam-se as fotos nesta página).

Abraço,
Paulo Araújo