26/05/2015

Cegonha na praia


Erodium cicutarium (L.) L'Hér. subsp. bipinnatum (Cav.) Tourlet


Depois de termos encontrado os bicos-de-cegonha (ou, mais correctamente, bicos-de-garça) em quintais e jardins, ou em espaços que foram essas coisas noutras épocas, o leitor já a sonhar com férias de Verão ficará talvez contente em saber que também na praia se encontram dessas plantas. Enfim, não exactamente as mesmas plantas, mas uma versão delas adaptada às difíceis condições de vida nas dunas. Tão difíceis, aliás, que quando apertam os calores de Agosto e se abrem os guarda-sóis dos veraneantes já este Erodium cicutarium, como planta anual que é, desapareceu de vista, tendo entretanto assegurado descendência pela abundante produção de sementes.

A forma dunar do E. circutarium é uma planta rasteira, glandulosa, com pétalas arredondadas e quase brancas. Se nos afastarmos da costa podemos ver, tanto em calcários como em lugares xistosos ou graníticos, diversas formas da mesma espécie, mas em geral mais altas, com pétalas cor-de-rosa alongadas e assimétricas, às vezes maculadas na base. É provável que o nome Erodium cicutarium seja apenas uma maneira preguiçosa de arrumar um agregado de espécies afins que não há pachorra para deslindar. Essa suspeita é reforçada pela existência de grandes variações genéticas dentro da espécie: há plantas diplóides (com 20 cromossomas), outras tetraplóides (40 cromossomas) e ainda outras hexaplóides (60); para agravar a confusão, também se encontram plantas com números cromossómicos estranhos como 36, 42, 48 e 54. Talvez o conceito tradicional de espécie não seja adequado para lidar com um caso destes, mas parece-nos pouco satisfatória a solução, a que os botânicos chegaram recentemente, de decretar que as diversas subespécies do E. cicutarium (incluindo a subsp. bipinnatum) não têm valor taxonómico. Mesmo que estejam ligados por formas intermédias, os extremos do intervalo de variação são claramente distinguíveis. Esta moda de amalgamar coisas díspares sob um único nome pode tornar a taxonomia botânica mais simples, mas não a torna mais útil nem mais interessante.

Uma ou várias versões do E. cicutarium (espécie que, no seu sentido lato, é originária da Europa, Ásia e norte de África) atravessaram o Atlântico e, cumprindo de modo fulgurante o sonho americano, prosperaram e multiplicaram-se no país de acolhimento a ponto de merecerem o estatuto de ervas daninhas impossíveis de erradicar. A ideia de que «se não podes vencê-los, deves comê-los» não será remédio universal para semelhantes casos de infestação; mas, como se ensina nesta página, é útil para lidar com os bicos-de-garça. E ficamos a saber que o E. moschatum, embora mais amargo do que o E. cicutarium, também é comestível. A cautela a ter é que estas plantas, aconselhadas para saladas e temperos, são mais tenras e saborosas quando ainda não floriram, mas nessa fase podem confundir-se com certas umbelíferas mortalmente venenosas.

1 comentário :

bea disse...

Desconhecia que estes bicos de cegonha também nascessem perto das praias