20/06/2015

Encontro das águas (3.ª parte)


Schoenus nigricans L.


Ao contrário das espécies que figuraram nos capítulos anteriores da série, as ciperáceas de hoje são polivalentes, não vivendo exclusivamente à beira-mar nem tendo preferência declarada por águas salobras. A primeira delas nem sequer exige muita água: a sua presença pode simplesmente assinalar locais onde, na época das chuvas, se formam charcos que secam com a estiagem. Nos pinhais litorais do centro oeste, entre Mira e Figueira da Foz, é frequente vê-la ocupar depressões dunares e orlas de pequenas lagoas. De seu nome Schoenus nigricans (o que pode traduzir-se por junco-negro), é uma herbácea rizomatosa com caules até uns 80 cm de altura, folhas exclusivamente basais, quase cilíndricas por causa das margens enroladas, e inflorescências compactas formadas por cinco ou mais espiguetas de um castanho negrusco, envoltas por duas brácteas, uma delas muito comprida. Nas fotos acima, tiradas em meados de Março, as flores só deixam ver a sua faceta feminina, mas elas são bissexuais, contendo cada uma três estames e três estigmas. À semelhança do que acontece com outras ciperáceas, é uma planta muito viajada, cidadã de muitos países e continentes, desde a Austrália à América do Norte, passando pela Europa, Ásia e África.


Eleocharis palustris (L.) Roem. & Schult.
Não menos viajada é esta outra ciperácea, que compensa a falta de passaporte australiano por uma mais ampla cobertura do continente euro-asiático. O nome Eleocharis dá em português qualquer coisa como encanto-dos-pântanos e, não sendo o encanto visível aos olhos de todos, é um bom exemplo de como gostos não se discutem. Ou de como eles, discutindo-se (afinal que fazem os críticos de arte ou de literatura senão tentar moldá-los?), podem ser radicalmente intransmissíveis. O nosso povo, em qualquer caso, não se deixou seduzir pela planta, pois ao invés de lhe reconhecer o encanto resolveu castigá-la com o nome junco-marreco.

Não adianta explicar pela enésima vez ao dito povo que uma ciperácea não é um junco, pois é na língua comum, com as suas lacunas e os seus absurdos, que nos temos de entender. Seja, então. O junco-marreco, como todos os seus congéneres (são cinco as espécies de Eleocharis espontâneas em Portugal), não possui verdadeiras folhas, mas apenas umas bainhas que abraçam a base dos caules cilíndricos, cada um deles rematado por uma espigueta solitária. Distingue-se (com dificuldade) dos seus congéneres pelas hastes mais altas (em geral até 60 cm, mas podem atingir os 100 cm), pelas espiguetas mais compridas, com maior número de flores, e pelo carácter rizomatoso que lhe permite ocupar grandes extensões de terrenos alagados e justifica o nome creeping spike-rush que lhe foi dado pelos anglo-saxónicos. As flores são bissexuais, e a foto deixa já entrever as suas partes masculinas (estames com anteras) e femininas (estigmas).

A julgar pelo mapa de distribuição no portal Flora On, o junco-marreco faz o pleno do nosso território continental, e aliás estende-se com igual abundância pela Europa fora. Qualquer lagoa ou charco é para ele um habitat propício. Na foto em baixo, captada numa clareira do maior sobreiral de Trás-os-Montes, temos um exemplo (encantador?) dos lugares de que gosta.


charcos temporários em Romeu, Mirandela

1 comentário :

ZG disse...

Encantador, sem dúvida!!