21/07/2015

Falésia dourada



Festuca petraea Seub.



Nos Açores, é em Junho que nas falésias brilha o amarelo do bracel contra o fundo negro das rochas, o azul do mar e a espuma branca das ondas. Nos outros meses estão lá os mesmos ingredientes, mas o dourado converteu-se em verde ou degenerou num castanho de palha ressequida. Não são só o negrume e a porosidade das rochas vulcânicas que diferenciam as escarpas insulares das do continente: esta gramínea sacudida pelos ventos salgados, tão comum nos Açores, é destas ilhas e de mais sítio nenhum no mundo. Mesmo que os visitantes que se passeiam à beira-mar não se apercebam disso, têm ali o que tantas vezes não têm nos lugares que são cartaz turístico do arquipélago: uma amostra genuína do antigo coberto vegetal das ilhas, anterior à ocupação humana. Com jeito, podem enquadrar nas suas fotos imagens que os primeiros povoadores facilmente reconheceriam.

As gramíneas, pese embora a sua importância crucial na nossa alimentação, não são plantas que entusiasmem muito o comum botânico amador. É verdade que têm flores, mas elas, não tendo a função de atrair polinizadores, são em geral pouco vistosas. Para aprender a distinguir gramíneas, há que estudar chaves de identificação repletas de termos especializados e estar atento a pormenores subtis como o número de estrias em cada folha, o seu ponto de inserção no caule, as glumas que protegem os florículos, a forma e o comprimento das anteras. O género Festuca é dos mais complexos da família, com mais de 400 espécies distribuídas por todos os continentes à excepção da Antárctida. As festucas são plantas perenes que formam tufos de folhas finas, muitas vezes azuladas; várias delas (com destaque para a europeia Festuca glauca) são usadas em jardinagem para fornecer contraste com plantas mais coloridas ou como alternativa aos tristonhos relvados. Esta Festuca petraea açoriana, ou bracel-da-rocha, parece fácil de reconhecer pelo habitat e pelo aspecto geral, mas há que ter cautela. O habitat costeiro é um dado importante, pois há nos Açores outra Festuca endémica (F. francoi, conhecida como bracel-do-mato), que prefere rochas e taludes enevoados no interior das ilhas. Nas Flores, onde o excesso de pluviosidade faz com que os dois habitats tenham uma extensa sobreposição, acaba por ser incerto, em muitos lugares situados a altitudes intermédias (entre os 100 e os 300 m), qual das duas espécies estamos a observar, a menos que tenhamos a lição bem estudada.

A Festuca petraea foi uma das espécies descritas por Moritz August Seubert na sua pioneira Flora Azorica (1844). Por contraste, a Festuca francoi teve que esperar até 2008 para ser reconhecida como endemismo açoriano: foi nesse ano que, em artigo publicado no Botanical Journal of the Linnean Society, os botânicos J. A. Fernández Prieto, Carlos Aguiar, Eduardo Dias e M. Isabel Gutiérrez Villarías mostraram que a espécie açoriana era diferente, em especial na morfologia foliar (caráctar decisivo para destrinçar as espécies do género), da madeirense F. jubata, com a qual até então tinha sido confundida. Porque a flora madeirense sempre foi a mais bem conhecida das duas, outros casos houve (Angelica lignescens, Lotus azoricus, etc.) em que as espécies açorianas foram erradamente assimiladas a espécies madeirenses. Ainda hoje há equívocos semelhantes por desfazer: é duvidoso que os Ranunculus cortusifolius açorianos e madeirenses pertençam à mesma espécie (os dos Açores são bem mais robustos), e acumulam-se indícios de que o nome Tolpis succulenta designa indevidamente duas espécies distintas, uma endémica dos Açores e outra da Madeira.

2 comentários :

bea disse...

A longevidade das espécies vegetais é um abismo. Pensar que os primeiros habitantes dos Açores a encontraram tal qual é muito interessante.

lis disse...

É incrível o poder que a Natureza tem de desenvolver espécies tão interessantes e bonitas.
Gosto dessa cor sépia das gramíneas.