26/01/2016

Segredos da Pipa (1)


Lamarosa, Coruche


Há tempos, a propósito de se fazer ou não um aeroporto num certo local, um ministro que já esquecemos dizia que o país a sul do Tejo era um deserto. Não se referia à presumível aridez mas sim à falta de gente, esquecendo por momentos o poder aglutinador que, para o bem e para o mal, costumam ter certas obras "estruturantes" tais como pontes, aeroportos e auto-estradas. É contudo verdade que o Tejo marca uma fronteira: para norte temos um país de montes e vales, verde e húmido, e para sul uma extensa planície onde a chuva raramente cai. Quando no nosso país falamos em sentido literal no "risco de desertificação" é nessa planície que estamos a pensar. Mas essa simplificação a traço grosso esquece que no limite nordeste do país a falta de chuva pode também ser um problema, e que no sul há enclaves frescos e ricamente arborizados como as serras de São Mamede e de Monchique. Há também muitos rios que, por estarem mais sujeitos a grandes variações do caudal do que os rios do norte, vivem na constante incerteza do futuro, e por isso são comoventes e preciosos.

As reservas de água, naturais ou artificiais, são um seguro de vida em regiões sujeitas à secura. Um velho montado de sobreiros rodeando uma represa, cercas de arame delimitando pastagens: eis uma paisagem que, sendo embora ribatejana de Coruche, poderia fornecer um dos mais típicos postais do Alentejo. A água atrai-nos como atrai todos os outros bichos, mas a nós, que bebemos água engarrafada, interessa sobretudo inspeccionar as plantas que encontram refúgio nas margens lodosas da represa. Entre dezenas de habitats semelhantes na região, calhou-nos visitar a represa da Pipa, e não ficámos desiludidos com o que vimos: Baldellia repens, Cicendia filiformis, Exaculum pusillum, Ludwigia palustris, etc. Enfim, um pequeno catálogo de plantas higrófilas miniaturais que, num raio de vários quilómetros, não poderiam sobreviver senão ali, no curto espaço de transição entre a fartura de água e a terra ressequida.


Juncus pygmaeus Rich. ex Thuill.
Típicos de terrenos encharcados são os juncos e as ciperáceas, de que na Pipa havia uma variada amostra. Deixando duas ciperáceas para o segundo fascículo, falamos agora do Juncus pygmaeus, obrigado a ser pequeno pelo nome que lhe deram. De facto, este junco não costuma ter mais que uns 5 cm de altura, muito embora possa quadruplicar essa marca; e as flores, que são essenciais à identificação e por isso convém observar à lupa, ficam-se pelos 5 mm de comprimento. Pelo tamanho, o Juncus pygmaeus facilmente se confunde com outros juncos anuais como o J. bufonius e o J. capitatus. Contudo, as flores do J. bufonius costumam ser solitárias, enquanto que no J. pygmaeus, como se vê acima, elas aparecem aglomeradas; e no J. capitatus, ao invés do que sucede com o J. pygmaeus, cada inflorescência tem uma bráctea que claramente a ultrapassa (veja aqui).

Amplamente distribuído pela Europa ocidental e norte de África, o Juncus pygmaeus, à semelhança de muitas plantas anuais que vivem em condições instáveis, não parece ter uma época de floração preferida. Trata de cumprir o seu ciclo de vida quando pode; e, se a água baixou e a temperatura ainda é amena, Dezembro é um mês tão bom como qualquer outro.

1 comentário :

bea disse...

É um junco quase rasteiro mas bonito.
Sim, a paisagem podia ser alentejana - no inverno ou primavera. O que em mim pertence a essa terra amargurada é sem peso ou medida.