02/02/2016

Segredos da Pipa (2)


Lamarosa, Coruche
Continuamos nas margens da represa da Pipa, cautelosos para não pisotear aquilo que as vacas, retidas pela cerca de arame, não tiveram oportunidade de estragar. A mesma cerca deveria ter-nos impedido a aproximação, mas já se sabe que isto de botanizar é um regresso aos livros de aventuras juvenis, em que uma porta fechada é um convite a entrarmos pela janela.


Cyperus flavescens L. [= Pycreus flavescens (L.) P. Beauv. ex Rchb.]
São duas as ciperáceas hoje na montra, ambas amareladas e a primeira denunciando isso mesmo no epíteto flavescens. Incluída por Lineu no género Cyperus, foi transferida pelo naturalista Palisot de Beauvois (1752-1820) para um novo género a que chamou Pycreus, mas a proposta não teve acolhimento unânime. Ambos os géneros são caracterizados por espiguetas achatadas, com os florículos organizados em duas fiadas opostas, mas no género Pycreus, tal como delimitado por Beauvois, os aquénios não são marcados por um sulco dorsal, ao contrário do que sucede no género Cyperus sensu strictu. É uma diferença imperceptível a olho nu e que, para ser confirmada, exige a colheita da espigueta e o uso de uma boa lupa. Em todo o caso, o Pycreus (ou Cyperus) flavescens, que tem uma ampla distribuição por três continentes (Europa, África e América) e em Portugal faz o pleno do continente, Madeira e Açores, é fácil de reconhecer pelo seu pequeno porte (7 a 30 cm de altura) e pelo molho de espiguetas amarelas. Muito parecido, mas com espiguetas de um castanho quase negro, é o Cyperus fuscus, que vive também em habitats temporariamente encharcados.

Pycreus é um óbvio anagrama de Cyperus. Outros exemplos do mesmo teor que mostram como os botânicos gostam de brincar com as palavras são Mantisalca (anagrama de salmantica) e Logfia (anagrama de Filago).


Fimbristylis bisumbellata (Forssk.) Bubani
Baptizada com o polissilábico nome de Fimbristylis bisumbellata, esta ciperácea fica, com os seus 15 cm de altura máxima, muito aquém da grandeza que o nome promete. Traduzido à letra, Fimbristylis significa estilete fimbriado ou franjado, enquanto que bisumbellata se refere, presumivelmente, à nada evidente disposição das espiguetas em dupla umbela (já que estamos em maré de anagramas, bilambuzata seria um bom adjectivo para uma criança com um chupa-chupa na boca). Ainda que tenha alguma semelhanças com os Cyperus / Pycreus, a Fimbristylis diferencia-se bem pelas espiguetas arredondadas (não achatadas) com os florículos dispostos em espiral.

Em Portugal, a Fimbristylis bisumbellata é muito pouco comum (veja aqui o mapa de distribuição) e só aparece em território continental. Trata-se porém de uma espécie quase cosmopolita, presente como nativa nos dois hemisférios e, a julgar por esta página, muito disseminada pelas regiões tropicais ou subtropicas da Ásia, África e Austrália.

1 comentário :

bea disse...

O Cyperus flavescens parece-me altamente bem e feliz dele que não foi pisado pelas acas _ os homens pesam e estragam menos.

A derivação com o nome bisumbellata para o adjectivo bilambuzata também tem piada. E incluir mais um chupa? :)