23/07/2016

Couve de Ana Ferreira


Crambe fruticosa L. f.


Como forma de homenagem a figuras públicas merecedoras de reconhecimento, é tradição dar o seu nome a crateras na Lua, montanhas em Marte, anéis em Saturno, cometas ou asteróides. A escolha é, em geral, precedida de consultas a sábios e aturada ponderação até à votação final. Se algum desses nomes é menos conhecido, uma googlada rápida informa-nos em segundos sobre a vida, obra e mérito de uma tal pessoa. No século XV, quando os portugueses chegaram ao Porto Santo, encontraram, além do imenso areal, muitos picos, vales, rios e fontes por designar. Mas não devem ter cogitado muito sobre o assunto, decerto por falta de tempo, a julgar pelos nomes simples e fáceis de justificar que elegeram: serras de Fora e de Dentro, fonte da Areia, miradouro das Flores, Terra Chã, Zimbralinho, Morenos, picos de Baixo, da Cabrita, do Castelo, do Espigão, do Facho, ilhéus de Cima, de Baixo, de Ferro e das Cenouras. Porém, a esta lista, juntaram o pico de Ana Ferreira. Quem?, perguntará o leitor. Não sabemos quem foi Ana Ferreira (Anna na obra A manual flora of Madeira and the adjacent islands, de R. T. Lowe, publicada no século XIX), se dona do pico ou se digna de uma tal prova de veneração. Imaginamo-la, num ambiente de navegadores, aventureiros e criados, a cuidar veladamente da família, da vila e da ilha; a enfrentar os mandatários do rei em anos de seca e fome; ou a pintar demoradamente as paisagens semi-áridas de Porto Santo. Que se apresente a história verdadeira desta figura para corrigirmos esta descrição fantasiada. De caminho, que nos digam também quem foram as mulheres do cabeço de Bárbara Gomes e do pico de Juliana.

Na nossa visita ao Porto Santo, o pico de Ana Ferreira foi o primeiro que explorámos. Devagar, porque logo na base a flora suscitava ohs de espanto e justificava minucioso levantamento fotográfico. Entre as fendas de rocha, ravinas e taludes arenosos, mesmo em lugares desabrigados, via-se uma couve alta e esguia, muito florida, de folhas liradas com um lóbulo terminal grande, e algumas hastes já com frutos. Lembrava a Crambe hispanica, a única espécie deste género em Portugal continental e cujo detalhe distintivo é o arranjo dos frutos redondos como ervilhas em escadinha helicoidal, com os pedicelos curvados para cima. A C. fruticosa é um endemismo do arquipélago da Madeira, raro na ilha da Madeira mas abundante em dois ou três picos do Porto Santo, havendo também registo dele nas Desertas. Notem como as hastes florais parecem ter inflorescências terminais em panícula, mas os frutos se distribuem densamente ao longo de todo o talo, em muito maior número do que na C. hispanica. Cada fruto é uma vagem seca com uma única semente, esférica e assente num anel que a separa de um cilindro estéril, num conjunto que parece uma cabacinha de abóbora de Lilliput.

1 comentário :

bea disse...

Neste post a foto da rocha é bem mais apelativa que a da couve. Mesmo que Ana Ferreira tenha cirandado por ali.