13/07/2016

Losna prateada

Antes da vulgarização da fotografia, os botânicos que publicavam artigos com a descoberta de novas espécies tinham de se esmerar na descrição (em latim, pelo menos) de cada planta e, sempre que possível, escolher uma designação que a distinguisse claramente das demais. Com um vocabulário restrito e sem meios de laboratório decisivos, precisavam de ver demoradamente os espécimes em várias estações do ano, beneficiando ainda da possibilidade de colher alguns exemplares para herbário. Não raro, contudo, a degradação natural do material colectado dificultava a sua identificação futura. Acrescia a esse azar o facto de, com frequência, as plantas recolhidas em expedições científicas a paragens longínquas se perderem pelo caminho ou chegarem em más condições. Salvavam-se as sementes que, se germinassem, produziriam exemplares caseiros, mais fáceis de estudar. Seguiam-se então extremosos cuidados, extenuantes análises (feitas em segredo, não fosse o cientista rival publicar a descoberta primeiro), longas vigílias em jardins botânicos à espreita do nascimento da flor desconhecida, e a rigorosa tarefa do taxonomista para nomear a espécie inédita.

É neste contexto que Charles Louis L'Héritier (1746-1800; abreviadamente L'Her.) escreve em Inglaterra, e publica em França entre 1789 e 1793, a obra Sertum Anglicum. O texto reduzir-se-ia a uma lista de verbetes em latim sobre flora trazida da América do Sul por Joseph Dombey (com autorização da coroa espanhola) e outra cultivada nos Kew Gardens, não tivesse o destino juntado, em Paris, o botânico L'Héritier e o pintor Pierre-Joseph Redouté (1759-1840). A partir do segundo volume, cada nova espécie desta obra é ilustrada em página inteira por este talentoso ilustrador, que ganhou fama e prestígio precisamente pelos seus trabalhos botânicos. Os seus desenhos, ao contrário das amostras de herbário, permanecem viçosos e deslumbrantes ainda hoje. A prancha 28 do Sertum Anglicum mostra o endemismo da Madeira, Porto Santo e Desertas de que vos falamos hoje.



Artemisia argentea L’Hér.


As numerosas espécies do género Artemisia, com flores minúsculas desprovidas de pétalas mas com invólucros robustos, têm folhagem perfumada, embora não tanto como a das dunas primárias no litoral, que poderá reconhecer nas suas idas à praia. Algumas espécies são lenhosas, e é esse o caso da planta madeirense das fotos (conhecida no arquipélago como losna), que vimos em abundância em locais rochosos perto do mar e nos picos de Porto Santo. Trata-se de um pequeno arbusto perene, com as folhas revestidas por um tomento branco-acinzentado que lhes confere um aspecto prateado. Note como as folhas são triangulares e lobadas, não tão coriáceas como as da A. campestris, e como formam uma ramagem solta que, mesmo depois de seca, se mantém algum tempo sem cair, decerto para dar resguardo à planta nos meses mais quentes, quando exposta em rochedos e areais costeiros. A inflorescência é uma longa panícula com capítulos pendentes, parecendo estar todos virados para o mesmo lado. Em cada capítulo de flores amarelas, as hermafroditas enchem o centro do disco, as femininas estão no bordo. Há registo na Flora of Madeira, editada por de J.R. Press e M. J. Short (The Natural History Museum, London, 2016), de uma população no ilhéu de Cima com corolas púrpura.

1 comentário :

bea disse...

É mais um espécime a somar, pensa quem por aqui viaja. Muito obrigada.