24/09/2016

Flores de sol

As flores que aqui trazemos hoje têm destinatário: são para Francisco Clamote, que descobriu recentemente uma nova espécie para a flora de Portugal.


Xeranthemum inapertum (L.) Mill.


Raramente temos consciência do quanto nos esquecemos. Enquanto acontecem, deixamos sumirem-se ruídos, movimentos, imagens, pensamentos, como se a nossa memória, com rédea solta, esbanjasse o presente desinteressada do futuro. Essa rotina de ignorar parte do mundo deve ser, contudo, uma vantagem evolutiva, uma componente importante do nosso livre arbítrio. Muitos apreciariam possuir a arte de domar as suas memórias, uma gestão que a seu tempo estenderiam às lembranças dos outros. A grande maioria, porém, comove-se com o que pode durar uma eternidade, como estas inflorescências que resistem anos a fio depois de secas, símbolos de uma memória perene que se designam carinhosamente por saudades-perpétuas. Imortalidade que em grego os taxonomistas decidiram celebrar com o nome Xeranthemum.

As pedreiras já desactivadas, ditas antigas, como aquela perto da qual vimos este malmequer-de-palha, são cicatrizes tenebrosas em habitats cujo valor se esgotou para as pessoas que dali tiraram algum benefício, mas que se renovam quando a flora retoma o domínio. Nesta, um lugar árido em Vimioso, as plantas são ainda escassas, seja de Spiranthes spiralis ou de Cynoglossum cheirifolium, com uma distribuição tímida de quem acabou de chegar. Os talos fininhos desta espécie de Xeranthemum passarão ali despercebidos ao olhar destreinado se não estiverem em flor, o que só acontece em Junho, quando o solo já acusa a estiagem. São, porém, se a memória traiçoeira não se tiver esvaziado muito, as asteráceas mais bonitas que já vimos.

Desta espécie, há apenas, no portal Flora-On, este registo (de Ana Júlia Pereira e Miguel Porto) em Trás-os-Montes, região que, bafejada pela sorte, conta ainda com a única população conhecida da segunda espécie do género que ocorre em Portugal, o X. cylindraceum.

4 comentários :

Francisco Clamote disse...

O que fiz eu, Maria Carvalho, para merecer um gesto de tamanha simpatia? Em boa verdade, nada ou muito pouco, pois mais nada fiz a não ser avistar a espécie em questão e fotografá-la.
De qualquer forma, embora não mereça a gentileza, não posso deixar de lhe manifestar a minha gratidão, pelo gesto em si e por partir de pessoa que muito admiro. Bem haja!

Maria Carvalho disse...

Ficámos tão contentes com a novidade!
Um grande abraço.

bea disse...

Bonitas e pontiagudas. Como toda a saudade perpétua.

Carlos M. Silva disse...

Belíssimas como dizem.
Voltarei a Vimioso um destes dias; mas já sei o que devo adicionar às buscas nocturnas de borboletas: uma busca diurna no mês certo.
Abraço e mais uma vez obrigado pela mostra.
E sim, está bem dedicado ao Francisco Clamote que também a apresentou noutro escaparate.
Carlos M. Silva