08/08/2017

Flor das lampreias



Hieracium umbellatum L.


Na verdade, as lampreias que sobem o rio Minho e ficam presas nas redes armadas nas pesqueiras nunca olham para estas flores. Não porque sejam pouco dadas à contemplação, ou porque os desesperados esforços para se libertarem da armadilha não lhes permitam essa disponibilidade mental. Afinal que sabemos nós do que vai na cabeça dos bichos que matamos para comer? O desencontro entre a lampreia e este (chamemos-lhe assim) dente-de-leão é ditado pelo desfasamento temporal. É entre Fevereiro e Abril que a lampreia sobe o rio Minho para acabar nas mesas dos restaurantes a 35 euros a meia dose; e é de Julho a Setembro, quando o caudal baixa e as pedras à beira-rio escaldam ao sol, que o Hieracium umbellatum se entrega à tarefa de florir. Seria a mais tardia das plantas que enfeitam muros e rochas das pesqueiras, não fosse, em algumas lagoas e charcos, a florida companhia da Nymphoides peltata.

Uma outra asterácea de grandes capítulos amarelos, a Inula salicina, compartilha com o Hieracium umbellatum este habitat semi-natural em que os muros parecem, como as rochas, ter saído das mãos do Criador. Começa a florir dois meses antes, e diferencia-se pelas brácteas involucrais mais desenvolvidas e pelo disco central formado por florículos tubulares — em contraste, os capítulos do Hieracium umbellatum são formados apenas por florículos ligulados (fotos 4 e 5 acima). As duas asteráceas que a lampreia nunca pôde ver também não são vistas por muita gente. A maioria das pesqueiras são pouco acessíveis, e quase ninguém as frequenta passada a faina da lampreia. Nas pesqueiras de Monção e Melgaço tanto uma como outra são fáceis de encontrar, mas de resto, a fazer fé no portal Flora-On, só aparecem em pouquíssimos lugares do Minho e de Trás-os-Montes. A sua preferência por afloramentos rochosos no leito dos grandes rios — o tipo de habitat que o criminoso programa nacional de barragens tem vindo sistematicamente a afogar — não lhes augura longo futuro.

Hieracium vem do nome grego para o falcão, ecoando a crença de que esta ave se alimentava da planta para tornar a vista mais apurada (como antes se dizia às crianças que as cenouras fazem os olhos bonitos). Assim se explica que os anglo-saxónicos chamem hawkweed às plantas do género. A outra coisa que sobre elas convém saber é que têm uma taxonomia terrivelmente enredada. A hibridação, a poliploidia e a apomixia (capacidade de produzir sementes férteis sem fecundação) fazem com que o número de espécies descritas, muitas delas pouco se distinguindo umas das outras, se situe, só na Europa, entre 5000 e 10000. Nenhuma flora que tentasse descrever todas estas espécies teria qualquer utilidade prática, de modo que os especialistas se puseram de acordo em destacar um certo número de espécies principais, suficientemente disseminadas, que se foram combinando para dar origem a todas as outras. Na Península Ibérica supõe-se que essas espécies principais não sejam mais que 26, contando-se entre elas o Hieracium umbellatum. O formato das folhas, a disposição dos capítulos em umbelas (i.e., elevando-se todos mais ou menos à mesma altura — confira aqui ou aqui) e a ecologia permitem-nos supor, com alguma confiança, que foi essa a espécie que encontrámos nas pesqueiras. Certeza, porém, é coisa que não está ao nosso alcance.

1 comentário :

bea disse...

Também sem certezas, parece-me que conheço estas; mas sem vizinhanças de lampreia ou água de rio.