16/01/2018

Viagens com musgos


Huperzia selago (L.) Bernh. ex Schrank & Mart.


Por ser parecida com um ramo de abeto (fir) e no seu primivitismo lembrar um musgo, os anglo-saxónicos chamam fir clubmoss a esta planta. Se a comparação com o abeto é apropriada e inocente, pois ninguém vai confundir estas hastes atarracadas, de 5 a 20 cm de altura, com um árvore de grande porte (nem com um rebento, pois as árvores não crescem curvadas), já o chamar-lhe musgo pode induzir em erro. Há de facto musgos, como o Polytrichum comune, com aspecto vagamente semelhante, mas a H. selago é uma planta vascular e não um musgo. Situa-se, é verdade, na base da árvore evolutiva, e tem por isso o privilégio de encabeçar a listagem da flora de muitos dos países dos quais é nativa. Na Europa continental, onde é a única espécie do seu género, essa primazia é incontestada, mas na Ásia e na América já tem que disputar o seu lugar com numerosas congéneres. Preferindo climas frios e lugares húmidos, é mais abundante no norte da Europa do que no sul, onde se refugia em áreas montanhosas e, às vezes, aproveita o aconchego da neve a mais de 2000 metros de altitude. Está presente nas principais cadeias montanhosas ibéricas, mas Portugal fica fora do seu mapa de distribuição. O que não é grande motivo de queixa, pois Madeira e Açores acolhem duas espécies endémicas do género, Huperzia dentata e Huperzia suberecta, e a segunda delas só se diferencia da H. selago pela (pouco) maior envergadura e por caracteres microscópicos como a ornamentação dos esporos.

Uma característica em que a Huperzia é mais primitiva do que outras licopodeáceas é que a sua parte fértil não se distingue claramente da parte estéril: os esporângios estão aninhados nas axilas das folhas terminais das hastes (3.ª foto), folhas essas idênticas na forma e no tamanho às que estão situadas mais abaixo. Em géneros mais evoluídos, como Lycopodium e Diphasiastrum, os esporângios aparecem agrupados em espigas terminais perfeitamente destacadas (exemplos: 1, 2). Mesmo o licopódio-dos-brejos (Lycopodiella inundata), que na Europa leva a medalha de prata em primitivismo, apresenta uma diferenciação, embora menos óbvia, entre a parte da planta que produz os esporângios (que é a porção engrossada e terminal das hastes erectas — foto aqui) e a parte estéril (caules rastejantes e metade inferior das hastes erectas). Também considerado primitivo é o tipo de crescimento dicotómico da Huperzia, com as hastes sempre ascendentes bifurcando-se sucessivamente.

Encontrámos a Huperzia selago a uns modestos 1300 m de altitude, algures na cordilheira cantábrica. Nos meses de Inverno o branco dos afloramentos calcários é reforçado pelo branco da neve, e nenhuma outra cor é permitida na paisagem. Era isso que nos diziam um frio e um vento cortantes, atípicos do mês de Maio que atravessávamos. Só para confirmação, as nuvens negríssimas não tardaram em largar uma forte carga de granizo, obrigando-nos a abreviar a excursão.

1 comentário :

bea disse...

É caso para dizer que pagaram por terem encontrado a planta nos montes cantábricos; não é muito agradável lidar com chuva, frio e granizo:).