21/02/2011

Arruda da pedra partida

Asplenium ruta-muraria L.


Foi motivo de regozijo darmos de caras com este feto entre as fissuras das rochas onde foi esculpido o portentoso anfiteatro da Fórnea. Em Portugal, a arruda-dos-muros (Asplenium ruta-muraria) pouco se vê, e o maciço calcário do centro-oeste é talvez a zona do país que concentra maior número de populações; mas mesmo por lá nunca ela chega a ser vulgar. O seu pequeno tamanho e a especificidade do seu habitat fazem da busca uma prazenteira caça ao tesouro: sem ser trivial observá-la, é quase certo que a paciência há-de por fim ser gratificada. Bem mais difícil — embora mais compensador, visto que dá direito a prémio e tudo — parece ser encontrar a língua-cervina nalgum município do Grande Porto.

Noutros países europeus, um botânico amador que fizesse idêntica descoberta talvez se limitasse a encolher os ombros. A raridade não é uma medida universal, e o que é escasso num país pode ser abundante nos países vizinhos. Distribuindo-se por grande parte do hemisfério norte — Eurásia desde a Península Ibérica até à China, metade oeste da América do Norte, Marrocos —, a arruda-dos-muros é comum na Europa (mais no norte do que no sul) mas tida como vulnerável ou ameaçada nos EUA. Como indicam os seus nomes, ela não se limita a colonizar fendas de rochas calcárias, mas também aparece em muros, sobretudo os que levaram uma camada de argamassa.

As frondes da arruda-dos-muros são glabras, de cor verde-baça, atingem não mais que 15 cm de comprimento, e aparecem dispostas em tufos densos e emaranhados. Têm um formato peculiar, com três a cinco pares de pinas que se dividem, por sua vez, em duas a cinco pínulas de recorte romboidal. Com algum esforço de abstracção, concede-se que elas têm alguma semelhança com a folhagem da arruda-comum (Gruta graveolens), o que talvez explique as designações, tanto a científica como a vernácula, deste feto fissurícola.

(Fissurícola é uma daquelas palavras bonitas, não dicionarizadas, que os botânicos gostam de usar. Não é preciso ser-se muito perspicaz para lhe adivinhar o sentido. E, para dar bom uso ao vocábulo, assinalamos que na primeira foto aparece também o Ceterach officinarum, um feto não menos fissurícola do que o Asplenium ruta-muraria.)

4 comentários :

m. dalila disse...

Viva Paulo Araújo e Maria Carvalho!

Que bom tê-los de volta, sinal de que o Paulo já está bom e que nos vêm mostrar mais maravilhas do mundo vegetal.
Hoje é mais um feto e viva a nossa biodiversidade que, tão extraordinariamente, vocês têm divulgado.
Tudo de BOM e até sempre!

MD

Anónimo disse...

Aquelas manchas escuras na planta da terceira foto não será uma ferrugem?
Tem toda a aparência disso.
Duarte Marques

Paulo Araújo disse...

Obrigado, Dalila. Embora não esteja exactamente pronto para outra (nem para esta estava), estou pelo menos operacional.

Duarte:
As manchas ou bolinhas escuras não são ferrugem nem sinal de doença. São os esporângios que os fetos usam para se reproduzirem. Por vezes esses esporângios estão protegidos por membranas (chamadas indúsias) que neste caso são brancas e, embora já se tenham rompido, ainda se conseguem distinguir.

Anónimo disse...

Obrigado!
Duarte