Caldo de lentilhas
Callitriche stagnalis Scop. — Mindelo, Vila do Conde
![](https://s5.postimg.cc/4sq05bpuv/Callitriche-stagnalis-02.jpg)
As plantas que ocorrem em muitos países mas que, em cada um deles, ocupam apenas alguns raros nichos são causa de perplexidade. Pensemos por exemplo em plantas aquáticas como esta lentilha-de-água (Callitriche stagnalis): existe em toda a Europa, mas em Portugal a sua presença é escassa e pontual. Um ribeiro aqui, um lago acolá: de facto ela não surge na maioria dos locais onde poderia ter-se instalado. (Muito mais abundantes são as plantas do género Lemna, também chamadas lentilhas-de-água, que se distinguem da Callitriche por serem flutuantes e desprovidas de caule.) Como aparecem estas populações em lugares tão distantes uns dos outros? Dá vontade de imaginar que o grande dilúvio afinal não é um mito, e que houve um tempo em que as águas cobriam os continentes, salvando-se apenas os cumes mais altos. Quando o nível das águas desceu e Noé pôde finalmente pisar terra firme, as plantas de vocação aquática teriam ficado confinadas a uns poucos lagos e rios. A ideia é irresistível mas disparatada, até porque uma planta como a Callitriche stagnalis, precisando de se enraizar, não pode viver em águas profundas. Não é absurdo, porém, pensar que a acção humana, ao destruir muitos habitats propícios, terá levado a essa fragmentação das populações.
A Callitriche stagnalis, que prefere águas paradas ou de curso lento, é formada por caules esguios, de 10 a 100 cm de comprimento. À tona da água ficam só as pequeninas rosetas de folhas ovais. Embora sejam de difícil observação, por serem minúsculas e se esconderem na base das folhas, a planta também dá flores, ao que consta verdes e sem pétalas. Quando as águas baixam no Verão, é possível encontrar a planta nas margens lamacentas de ribeiros e charcos.
Para compensar o seu retrocesso na Europa (pelo menos em Portugal), a Callitriche stagnalis emigrou para os EUA, onde se deu tão bem que mereceu o estatuto de planta daninha. Haveria ainda a comentar o absurdo de a terem colocado na família Plantaginaceae (mais uma prova do desvario que aflige a ciência botânica), mas isso (recorrendo a uma expressão popular bem a propósito) seria chover no molhado.
2 comentários :
Queria deixar aqui o meu obrigado pelas últimas publicações que têm sido feitas desde o retomar das férias, que se juntam ao maravilhoso manancial de informação que este blog arquiva.
Não tendo formação na área, acho este blog delicioso na forma como divulga o conhecimento de espécimes que por vezes temos à nossa porta.
Tenho visto nascer em mim uma curiosidade na natureza que nos circunda, mesmo no quotidiano da vida urbana.
O meu obrigado!
Nós é que agradecemos tão simpático comentário. É muito bom saber que há quem goste de ler o que aqui publicamos.
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