Madeira Fern Fest (8)
![](https://s5.postimg.cc/87afmslgn/Adiantum-reniforme.jpg)
As ilhas do mesmo mar sempre arranjam modo de se contaminarem uma às outras, e alguns dos fetos peculiares que vimos na Madeira, por muito entusiasmantes que fossem, não eram para nós novidade, tendo-os já encontrado nos Açores ou no Porto Santo. O que é na verdade injusto, pois a flora pteridófita madeirense, singularizando-se pela sua indisfarçável africanidade, não é inferior à açoriana. Como compensação, e quebrando a nossas regra de mostrar cada espécie uma só vez, recuperamos dois fetos macaronésios de vincada personalidade, desta vez fotografados na Madeira, e condimentamo-los com um terceiro que vale pela raridade, embora seja fácil de confundir com outros muito comuns.
Tanto o Asplenium hemionitis (1.ª foto) como o Adiantum reniforme (3.ª foto) se recusam a obedecer ao figurino habitual dos fetos: cada fronde é constituída por uma peça só, em vez de estar dividida em inúmeros pequenos segmentos. O nome vernáculo feto-folha-de-hera atribuído ao primeiro exprime não só uma óbvia semelhança como também uma real possibilidade de confusão, já que o Asplenium hemionitis pode, tal como a hera, agarrar-se aos muros ou atapetar o chão de um bosque com as suas folhas. Tapete curto, claro está, já que as populações deste feto costumam ser pequenas. E a confusão desfaz-se quando lhe espreitamos as pinturas de guerra no verso das frondes. Presente nos Açores, Madeira e Canárias, o feto-felho-de-hera tem também populações reliquiais na Argélia, em Marrocos e... em Sintra, único local do continente europeu onde a sua presença está assinalada.
O Adiantum reniforme, a que gostamos de chamar avenca-redonda, é fácil de encontrar na Madeira, sobretudo na parte norte da ilha, em muros e fendas de rochas, nem sempre em lugares sombrios. Tendo-o visto e fotografado no Porto Santo, já sobre ele aqui escrevemos.
O terceiro feto do nosso ramalhete, Asplenium anceps (2.ª foto), tem óbvios laços de seiva com o avencão (Asplenium trichomanes subsp. quadrivalens), que encontramos de norte a sul de Portugal continental, tanto em calcários como em xistos ou granitos. Um terceiro feto que só com dificuldade se distingue destes dois é o Asplenium azoricum. Sabe-se, aliás, que o A. anceps é um dos progenitores do A. azoricum, que por sua vez terá dado origem a outras espécies ou subespécies do grupo do A. trichomanes. Muitas vezes podemos separar as diferentes espécies usando um simples critério geográfico: em Portugal continental só existe, que se saiba, o A. trichomanes subsp. quadrivalens. Contudo, se estivermos nos Açores, convém fazermos uma análise menos preguiçosa, já que aí coexistem o A. azoricum e o A. trichomanes, e o problema repete-se na Madeira, onde convivem o A. trichomanes e o A. anceps. (Em ambos os arquipélagos ocorre ainda o A. monanthes, mas nenhum amador de fetos minimamente atento o confunde com qualquer um dos outros três.)
![](https://s5.postimg.cc/5b16rqjs7/Asplenium-anceps-05.jpg)
Como patriarca de uma linhagem de fetos bem disseminada na Macaronésia e na região mediterrânica, o A. anceps acusa o peso da velhice e mostra-se menos adaptável às mudanças do mundo do que os seus descendentes. Embora tenha sido reportado nos Açores, receia-se que esteja extinto no arquipélago. Presente em quatro das ilhas Canárias, em três delas (Tenerife, La Gomera e El Hierro) só se conhece uma população em cada ilha, sendo um pouco melhor a situação na ilha de La Palma. Na Madeira, por contraste, está amplamente distribuído no norte da ilha em lugares húmidos e ensombrados, mas não parece ser tão abundante como afirmam J. R. Press & M. J. Short no livro Flora of Madeira (National History Museum, London, 1994).