Dona Genciana & C.ª
A ideia generalizada de que as abelhas estão apenas interessadas no néctar das flores, que recebem como pagamento pelo serviço de levar o pólen de umas plantas para outras, deve-se por certo a alguma desatenção quanto ao comportamento destes insectos. Tanto as flores como as abelhas precisam de pólen. O néctar, feito essencialmente de açúcar e água, dá energia às abelhas na sua lide diária; mas elas, e sobretudo as crias, precisam também de proteínas, e o pólen é a melhor fonte desse alimento que conhecem. Isto significa que, embora para a reprodução das plantas convenha que a abelha deposite noutras flores o pólen que leva, ela desdobra-se em mil cuidados para levar todo o pólen que puder para casa. Surpreende-nos que este paradoxal acordo entre espécies se venha mantendo com sucesso.
Este conflito de interesses quanto ao uso do pólen levou naturalmente a adaptações tanto nas flores como nos insectos. Nas flores há inúmeros mecanismos que reduzem o desperdício de pólen, seja pelo formato dos grãos de pólen que nem todos os insectos conseguem agarrar, ou pela posição da corola onde o insecto aterra de modo a que o pólen se deposite numa parte mais segura da abelha, ou ainda pela presença de zonas translúcidas nos tubos florais que guiam alguns visitantes até aos nectários enquanto passam despercebidos a outros. Tudo afinado para não se comprometer a capacidade de atrair os insectos adequados, enquanto se repelem os meros ladrões de guloseimas. Por seu lado, as abelhas tornaram-se mais eficientes na colheita e transporte do pólen, e a evolução deu-lhes a possibilidade de aprenderem depressa e bem quais as flores mais recompensadoras, em comunidades em que se copiam livremente as abelhas mais espertas.
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![](https://s5.postimg.cc/ykmzfdzqf/Gentiana-verna-03.jpg)
As plantas do género Gentiana são em geral polinizadas por abelhas, embora em algumas espécies haja também borboletas a ajudar no processo de fecundação. A morfologia e o ciclo destas espécies fornecem amplos exemplos das adaptações que mencionámos. O caso da G. pneumonanthe, de corolas pintalgadas de dourado, é especial: em alguns habitats, estabeleceu uma interacção peculiar com duas outras espécies, uma borboleta azul (Maculinea alcon), que desposita os seus ovos nos tubos da flor, e uma formiga vermelha (Myrmica scabrinodis), em cujas colónias as larvas da borboleta caem, se alimentam e crescem, libertando assim a planta dessas criaturas vorazes.
A Península Ibérica abriga várias espécies do género Gentiana, algumas anuais, outras bianuais ou perenes, que parecem preferir regiões frias — as que, neste canto sudoeste da Europa, vão rareando. É na Ásia, sobretudo nas montanhas chinesas, que se concentra a maioria das cerca de 360 espécies conhecidas. Nas fotos acima, as primeiras flores, vistas em afloramentos calcários da Cantábria, são versões gigantes da G. pneumonanthe; as outras, do pico Tres Mares, com corolas de bordos largos e quase planos, são muito mais pequenas e rasteiras, mas nascem em tapetes vistosos de um azul intenso (com os centros assinalados a branco) onde as abelhas se banqueteiam felizes.
2 comentários :
Flores tão lindas nesse azul impossível que parece esbatido a pincel. Uma beleza que os insectos ajudam a proliferar e onde cada parte, vegetal e animal, faz o seu trabalho.
Quando andava na antiga escola primária aprendi que as abelhas sugam o néctar e levam o pólen nas suas patas penugentas:).
Tantos anos depois, este continua a ser o melhor e mais bonito blog de toda a rede. Bem hajam !
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