Lavanda-do-mar
Quando numa loja de flores se compra um ramo delas, é em geral ao talento de quem nos atende que confiamos a elaboração do adorno. Cabe-lhe, como artista embriagado pelo ar perfumado que rescende dos inúmeros molhos de flores à venda, escolher as flores, as cores e o arranjo que melhor se lhes adequa, enquanto o cliente lhe controla a euforia artística, não vá o ramo custar uma fortuna. No fim, acede a que o cliente escolha o papel que cobre os talos e o laço que os prende. Duas perguntas costumam, porém, anteceder este ritual: É para uma senhora? O que celebram? Deste modo, descarta a possibilidade de um evento fúnebre, o que exigiria contenção na conversa e no colorido da grinalda, e habilita-se a usar um código de etiqueta florística que atenta ao género e à idade do destinatário das flores. O que decretam tais normas? É difícil saber exactamente, mas parece que cada flor tem um significado preciso, e que os erros nesta matéria são imperdoáveis. Não se trata de evitar flores cor-de-rosa para os cavalheiros, dálias de cor púrpura para senhoras de meia idade ou violetas para crianças. A sociedade, fonte perene de embaraços, melindres e preconceitos, parece ter-nos imposto um padrão que nos permite atestar se um ramo é ou não ajustado a quem o recebe. Tudo se resolveria se se acabasse com essa venda de flores, presente perfeitamente substituível por um passeio num jardim.
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![](https://i.postimg.cc/xCfkFPr3/Playa-de-la-Canteria.jpg)
Neste âmbito, as flores do género Limonium não comportam riscos. São comuns em floristas porque, mesmo depois de secas, mantêm a rigidez do arco da inflorescência e a cor das sépalas; e ainda porque as flores são invulgares: parecem duas flores empilhadas, uma branca (de pétalas) e outra roxa (de sépalas) com textura de papel. Mas, na verdade, são flores acompanhantes: nos bouquets criam uma moldura, ou um ponto de apoio, para outras flores mais nobres (leia-se mais caras), sejam elas orquídeas, tulipas, íris ou narcisos. A arte, se questionada, decerto aduzirá boas razões para esta diferenciação entre as flores-operárias e as flores-fidalgas.
As lavandas-do-mar apreciam falésias e a beira-mar, e há mais de uma centena de espécies, muitas das quais são endémicas das ilhas Canárias. (A das fotos é um endemismo das ilhas de Lanzarote e Fuerteventura, fotografada na Playa de la Cantería, em Órzola.) Pouco diferem pelas flores, ou sequer nas folhas basais com formato de colher e frequentemente salpicadas de pintas brancas, restos de sal que ali se acumulam. Contudo, muitas delas são apomíticas, e o que nos parecem ser diferenças irrelevantes são de facto mudanças genéticas que estabilizaram, criando micro-espécies que só os especialistas conseguem destrinçar. A manterem-se as condições ideais que temos vindo a assegurar ao planeta para as alterações drásticas no clima, muitas desaparecerão das zonas costeiras; nas floristas não haverá substituto para elas.
1 comentário :
Continuo a vir aqui (sou de flor perene, mesmo seca), a aprender, a ver.
Obg
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