O sol na cascalheira
No acesso ao Cabeço das Flores e à praia do Zimbralinho, na ponta oeste da ilha de Porto Santo, nota-se logo com alguma estranheza o solo amarelo farinhento. Feito de areia com fragmentos de conchas e algas, esfarela-se ao mais leve toque, desabando com a trepidação causada pela passagem de veículos. Não fosse a chuva miúda, afinal não tão rara nesta ilha, sairíamos dali como padeiros no fim de uma fornada. Estamos num dos mais famosos geossítios da ilha, com indícios de vulcanismo submarino e habitats movediços, onde a erosão é preocupante apesar de ali terem sido plantados muitos pinheiros-de-Alepo (uma espécie resistente ao vento e à maresia com origem na região mediterrânica e descrita a partir de exemplares sírios).
Porto Santo: plantação de pinheiros-de-Alepo (Pinus halepensis Mill.) no Zimbralinho
Prossigamos até ao topo da falésia. Com o mar azul-turquesa ao fundo, começa ali uma escadaria íngreme que nos levaria a uma pequena enseada. Porém, a impedir-nos a descida está um guarda vigilante. Diz-nos ele que, naquele dia, não é permitido descer à calheta pois há uma equipa a preparar a temporada balnear que se avizinha. Onde? Ali, no cabeço, vê? Estão a soltar as pedras mal presas, as que não tardariam a tombar dos taludes. Uma vez caídas, restará uma casca bem segura que só será um perigo daqui a uns dois anos, altura em que é realizado um novo descasque.
![Zimbralinho, Porto Santo](https://i.postimg.cc/sXPzj5mY/Zimbralinho.jpg)
Restou-nos recuar e procurar plantas cobertas de pó nos recantos das rochas do caminho. E lá estava, refastelado naquele ambiente seco e arenoso, um Heliotropium encimado de flores de miosótis brancas com um centro amarelo, como é usual neste género. Mas a aparência geral da planta destoava do que conhecíamos, fosse pela inflorescência mais densa ou pelas folhas crispadas, com margens revolutas, onduladas e ligeiramente crenadas. Julgámos tratar-se do H. europaeum, espécie anual frequente em Portugal, tão incomodado como nós com aquela argila calcária fina e salgada. Mas não. Trata-se de outra espécie de Heliotropium, perene e por vezes lenhosa, nativa de África, da Península Arábica, da Ásia, e das ilhas de Porto Santo e das Canárias.
![](https://s5.postimg.cc/z0e3muzzb/Heliotropium-ramosissimum-01.jpg)
![](https://s5.postimg.cc/kcurm87tz/Heliotropium-ramosissimum-02.jpg)
Heliotropium ramosissimum (Lehm.) Sieber ex DC. [= Heliotropium crispum Desf.]
![](https://s5.postimg.cc/dvbv2pxgn/Heliotropium-ramosissimum-03.jpg)
![](https://s5.postimg.cc/52uwf1cbr/Heliotropium-ramosissimum-04.jpg)
Das cerca de duzentas espécies conhecidas neste género, uma é naturalizada e duas são consideradas espontâneas na Península Ibérica: o H. europaeum e o H. supinum.
![](https://s5.postimg.cc/hwsy8dprb/Heliotropium-supinum-01.jpg)
![](https://s5.postimg.cc/c9wlawn8n/Heliotropium-supinum-02.jpg)
Heliotropium supinum L.
![](https://s5.postimg.cc/hb3zc9up3/Heliotropium-supinum-03.jpg)
![](https://s5.postimg.cc/t1hwtnnhj/Heliotropium-supinum-04.jpg)
Ao contrário da espécie de Porto Santo, o rastejante H. supinum precisa de humidade no solo e aprecia margens pedregosas de rios asseados onde se espraiar. Como as do rio Sabor que escaparam à nova barragem.
![rio Sabor](https://s5.postimg.cc/e55lgu7xj/rio-_Sabor-_Sampaio.jpg
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1 comentário :
Tão bonitinha a espécie que veio de África! E ainda bem que veio.
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