Salada de leitugas
Em contraste com as serralhas (género Sonchus), as leitugas (género Tolpis) nunca forneceram exemplos de gigantismo insular. Ao migrarem para os arquipélagos atlânticos (Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde), as leitugas mantiveram porte reduzido (atingem, quando muito, os 60 cm de altura) e hábito herbáceo. Contudo, reforçaram a longevidade (a representante continental da estirpe, Tolpis barbata, é uma planta anual, mas as leitugas das ilhas são, com uma única excepção, perenes) e, em alguns casos, desenvolveram base lenhosa — um exemplo notório é dado pela madeirense Tolpis macrorhiza.
Neste momento, são quinze as espécies de Tolpis reconhecidas na Macaronésia, mas é de esperar que o número delas ultrapasse vinte quando for publicado o estudo há anos prometido sobre as Tolpis açorianas. Ainda que, com excepção da Tolpis azorica, as leitugas insulares sejam de aparência modesta, a diversificação do género entre as várias ilhas oferece boas oportunidades para estudar os mecanismos de especiação, e até para problematizar o conceito de espécie. À diferenciação morfológica induzida pelo isolamento reprodutivo e pela diversidade de habitats não corresponde, como seria de esperar, uma incompatibildade genética que impeça a produção de híbridos férteis. Em artigo de 2009, Daniel J. Crawford et al. reportam que a proporção de pólen fértil em híbridos artificiais (i.e., criados em estufa) de espécies canarinas de Tolpis não era inferior a 10% em 25 dos 30 híbridos estudados, e em cinco deles ultrapassava os 89%. Se misturássemos diferentes espécies de Tolpis canarinas num mesmo canteiro e as deixássemos reproduzirem-se sem controlo, haveria o risco de, ao fim de não muitas gerações, em vez de uma salada de leitugas diversas termos muitos exemplares mais ou menos homogéneos de uma mesma leituga sintética.
![](https://i.postimg.cc/7LKcw8Fj/Tolpis-santosii-03.jpg)
As três leitugas que ilustram este texto são todas de La Palma. A primeira, Tolpis santosii, é endémica dessa ilha, ocorrendo apenas a baixa altitude em falésias da costa leste, numa pequena área em redor da praia de Nogales. Estando confinada a zona tão restrita, é certamente das plantas mais raras de La Palma, e até de todo o arquipélago das Canárias — mas, como o acesso à praia se faz sem dificuldades (custa é a subida no regresso), encontrar e fotografar a Tolpis santosii é um feito trivial. Como se explica que ela tenha sido apenas descrita em 2013? Arnaldo Santos-Guerra, o botânico espanhol (e especialista na flora das Canárias) a quem a espécie é dedicada, há muito sabia que a Tolpis da praia de Nogales era especial, muito provavelmente de uma espécie ainda por descrever. Só que não era caso único, e é difícil arrumar a casa num género profuso em que as espécies se distinguem por diferenças subtis ou em que se dão variações de toda a ordem dentro da mesma espécie (exemplo escandaloso é o da Tolpis succulenta na Madeira e no Porto Santo).
Embora à época do estudo ainda não tivesse nome, a Tolpis santosii foi uma das espécies cultivadas por Crawford & C.ª nas estufas da Universidade do Kansas para os tais ensaios de hibridação. Revelou então uma inesperada compatibilidade reprodutiva com a única espécie anual de Tolpis em toda a Macaronésia: a T. coronopifolia, de Tenerife. Morfologicamente, as duas espécies não podiam ser mais díspares: a T. coronopifolia é uma planta débil, com folhas pinatissectas (em vez de inteiras) e diâmetro dos capítulos florais duas a três vezes menor que na T. santosii. Apesar destas discrepâncias, 82,5% do pólen produzido pelo híbrido das duas mostrou-se fértil.
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1 comentário :
Belíssimas leitugas canárias.
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