Serralha palmense
Sonchus palmensis (Webb) Boulos
Quem deseje vida próspera tem que deixar a sua terra e procurar melhores oportunidades em paragens distantes: eis uma verdade que as serralhas (género Sonchus) exemplificam de modo eloquente. As que se deixaram ficar no continente europeu (como estas: 1 & 2) são, na sua maioria, herbáceas anuais e sobrevivem amiúde em lugares degradados; raramente suscitam palavras de apreço mesmo pelos mais devotados amantes da natureza. Por contraste, as que migraram para os arquipélagos da Macaronésia (Canárias, Madeira e Cabo Verde) são muito de encher o olho e ninguém as contempla sem espanto: fizeram-se plantas perenes, engrossaram o caule até ele se tornar lenhoso, cresceram e ramificaram-se ao jeito de pequenas (e às vezes não tão pequenas) árvores, e coroaram o conjunto com abundantíssimos cachos de flores amarelas.
Em La Palma, o endémico Sonchus palmensis, capaz de atingir dois ou mesmo três metros de altura, é um digno representante dessa estirpe de serralhas gigantes. Fotografámo-lo numa berma de estrada, à saída de uma povoação na vertente leste da ilha, medrando entre funchos e outra vegetação ruderal. Não se tratava, devemos admiti-lo, de um habitat prestigioso, mas nos outros (numerosos) lugares onde o vimos, incluindo a laurissilva mais bem conservada, ele ainda não se apresentava florido no início de Maio.
Pela folhagem e pelo porte, e até pelas brácteas involucrais glabras e pelo tamanho dos capítulos florais, o Sonchus palmensis aproxima-se muito do endemismo madeirense Sonchus pinnatus. É tentadora a suposição de que um deles pode descender directamente do outro, ou de que são variantes da mesma espécie com pequenas diferenças morfológicas induzidas por milénios de separação. Na verdade, as coisas são mais complicadas. Num artigo de 2005 que se propõe deslindar as relações filogenéticas entre as mais de trinta espécies de Sonchus endémicas da Macaronésia (quatro da Madeira, uma de Cabo Verde, as restantes das Canárias), os autores concluem que as quatro espécies da Madeira (incluindo o Sonchus ustulatus, de pequeno tamanho e porte herbáceo) estão evolutivamente mais próximas entre si do que das suas congéneres canarinas. Há assim grande probabilidade de, no género Sonchus, o gigantismo e o hábito lenhoso se terem desenvolvido independentemente em cada um dos arquipélagos (e, em ilhas como Tenerife, em várias ocasiões distintas) a partir de antepassados herbáceos comuns. Fizeram-no em resposta a condições semelhantes de habitat: o ensombramento da laurissilva estimula as plantas a esticarem os caules em busca de luz; e as condições ambientais estáveis, sem grandes oscilações de temperatura ao longo do ano, tornam desnecessários períodos de dormência vegetativa, encorajando a formação de caules perenes e a sua eventual lenhificação.
Sem comentários :
Enviar um comentário