Alfazema do mar
É com o perfume de alfazema à beira-mar que largamos Maiorca e nos aprestamos a embarcar para nova ilha, igualmente espanhola e já aqui anunciada duas vezes. Maiorca é uma ilha grande, a dois passos da Espanha continental, e a condição insular não determina de modo decisivo — como sucede nos Açores ou na Madeira — as opções de vida dos seus habitantes. Para quem não dependa do turismo ou não viva na costa, é fácil esquecer-se de que está numa ilha: são várias as povoações maiorquinas de onde não se avista o mar; a oferta de tranportes públicos inclui uma linha de comboio (ligando Palma de Maiorca a Sollér) e uma rede de metro; e existem na ilha fábricas dos mais diversos artigos (por exemplo, o nosso calçado de montanha é lá produzido). Mesmo os turistas não obcecados pelos banhos de sol podem em Maiorca passar dias sem ver o mar, escalando a serra de Tramuntana ou deambulando nos extensos azinhais. Contudo, seria estúpido, para qualquer turista na ilha, obrigado que foi a abrir largamente os cordões à bolsa, não se demorar em passeios pelo litoral. Maiorca é uma ilha calcária, e uma das características dessa rocha é que se deixa moldar pelas forças erosivas de muito mais bom grado do que o granito ou o xisto. Um litoral de rochas calcárias há-de sempre exibir um recorte mais caprichoso e dramático do que um litoral granítico. Maiorca soube aproveitar-se bem dessa sua condição — e, apesar do volume exagerado de construções, não receia disputar um concurso de beleza com qualquer zona costeira deste nosso planeta, seja ela de que hemisfério for.
Não desvalorizando a beleza das rochas, é nossa crença que só com uma guarnição vegetal apropriada podem as formações rochosas atingir o ápice da beleza. Por isso esta alfazema a que Lineu chamou Lavandula dentata era necessária no sítio exacto onde a encontrámos. Há ainda a feliz circunstância de ela, dando flor quase o ano inteiro, raramente descurar as suas obrigações ornamentais: em Dezembro lá estava no seu posto, florindo incansavelmente.
Em português temos uma profusão de nomes para as plantas do género Lavandula: lavanda, rosmaninho, alfazema. Apesar de serem plantas comuns de norte a sul do país, por cá a variedade não é grande: há duas espécies quase iguais, L. stoechas e L. pedunculata, que entre si fazem quase o pleno do território continental, a elas se juntando, no extremo sul do país, a L. viridis. As duas restantes espécies por cá reportadas, L. multifida e L. latifolia, têm distribuições muito restritas. A Lavandula dentata, que não ocorre em Portugal e que se distingue, como sugere o epíteto específico, pelas folhas dentadas, apresenta algumas semelhanças com as espécies portuguesas mais vulgares: as inflorescências são todas terminais e compactas, em hastes não ramificadas, e são rematadas por um penacho de brácteas. Essa brácteas têm, presume-se, a função de atrair insectos, já que as flores propriamente ditas são pequenas e pouco chamativas — retintamente negras na L. stoechas e na L. pedunculata, rosadas e algo maiores na L. dentata.
O que as lavandas têm todas em comum é o agradável perfume (mais intenso na L. angustifolia, amplamente cultivada em França para perfumaria) e a generosa produção de néctar para recompensar polinizadores. É sempre para nós um bom encontro conhecer uma nova lavanda. E, não saindo da Europa, só em Espanha (Península Ibérica e Baleares) poderíamos ter encontrado a L. dentata no estado natural. Fora da Europa, a planta também ocorre no norte de África (Marrocos e Argélia), no médio Oriente (Israel e Palestina), na Península Arábica e na Etiópia; e em todos estes lugares mostra acentuadas preferências calcícolas, procurando invariavelmente substratos secos e pedregosos.