29/02/2008

Lágrimas-de-anjo


Narcissus triandrus

....How bare is this place,
....the end of my course.
....Given up the fight.
....There's left no trace
....of me but the source,
....which they did not cite.

Karl Kraus, Tomb inscription (trad. Max Knight)

Esta espécie da secção Ganimedes do género Narcissus, com três estames (triandrus) em vez dos usuais seis, aprecia clima ameno da serra e tolera o frio, mas não as inundações - como talvez entendam os poderosos nos corredores da capital. Hibrida facilmente e há muitas variedades suas parentes com nomes de fantasia; é até frequente ler-se, com a ponta de orgulho com que disfarçamos a indiferença, que o «narciso tal-e-tal teve origem em espécie portuguesa».

E o que ameaça tão inocente planta cujas flores se inclinam em vénia para melhor notarmos a coroa saliente e pálida e as tépalas repuxadas para trás?, pergunta um leitor. Uma barragem no rio Tua, que fará dele uma funda sepultura de água para a natureza e as suas criaturas. Desaparecerão cascatas e repuxos afogados pela maré eternamente alta. E com eles fugirão abelhas, peixes, rãs, melros, andorinhas, garças, águias, amendoeiras, sobreiros, zimbros, freixos, choupos e oliveiras. E, senhores!, reduziremos a um fundo lodoso as melhores vinhas do Douro, que agora sorriem em terra sã, bem exposta ao sol e ao ar fresco do rio.

Mas, dirá outro leitor, este será o cenário ideal para cavalgar em ruidosas motas-de-água com que tão bem se arrumam as tardes de descanso que já vão sobrando. E, claro, dirá um amigo deste leitor, igualmente entusiasta da natureza, que o progresso trará mais energia para se verem em detalhe as fotos de arquivo destas florinhas e bichos, sem o incómodo de calcorrear à chuva os caminhos do vale do Tua.

No fim destes enganos, diremos, como dos ausentes, que as lágrimas-de-anjo foram singelas e valiosas. Alguns demónios chorarão a sua perda irreparável. E depois, quem nos poderá aliviar a culpa?

28/02/2008

Aprumo gótico


Cyathea cooperi


Foi da Austrália que vieram tanto a Dicksonia antarctica, que está abundantemente representada no Buçaco e inaugurou a nossa pequena amostra de fetos arbóreos, como a Cyathea cooperi, que hoje fecha a série. E fá-lo com inultrapassável elegância: dentro da sua categoria, não há planta mais esbelta ou de arquitectura mais elegante, com a base dourada das ráquis abrindo-se num leque de perfeita simetria, em arranjo que faz lembrar a nervura duma abóbada gótica. À sua bela figura junta a vantagem de crescer rapidamente, o que a tornou muito popular em jardins subtropicais - como se pode comprovar, por exemplo, no Jardim Duque da Terceira, em Angra do Heroísmo. Essas mesmas qualidades fizeram dela um problema no Havai: introduzida como planta ornamental, disseminou-se na natureza e ameaça dominar o habitat dos fetos arbóreos indígenas, como o Cibotium glaucum, de crescimento mais lento. É irónico que invasor e invadido se reencontrem nas antípodas, lado a lado na mesma estufa do Jardim Botânico de Coimbra.

27/02/2008

Quaresmas


Saxifraga granulata

Os nomes vulgares têm destas coisas: criam afinidades fortuitas entre plantas que não podiam ser mais diferentes. A única característica que a quaresmeira e as quaresmas (Saxifraga granulata) partilham é a de, nas suas regiões de origem, florirem ambas entre Fevereiro e Abril; mas, enquanto a primeira é um arbusto lenhoso, de folhagem perene, com flores roxas, a segunda é uma herbácea de flores brancas; e, além do tamanho e da cor, separam-nas todo um oceano e muitos graus de latitude.

O género Saxifraga tem mais de 400 espécies, das quais cerca de 60 são espontâneas na Península Ibérica. São plantas muito procuradas por abelhas e outros insectos. A S. granulata é frequente por toda a Europa em prados, terrenos pedregosos e locais húmidos: as suas folhas, penugentas e arredondadas, formam uma roseta basal de onde emergem hastes erectas, de altura até 60 cm, com as flores nas extremidades.

As fotos foram tiradas há dias em Amarante, nas margens do Tâmega.

26/02/2008

Titímalo-dos-vales

«For a mathematical realist a tree not only exists when nobody looks at it, but its branches have a "tree" pattern even when no graph theorist looks at them. Not only that, but when two dinosaurs met two dinosaurs there were four dinosaurs. In this prehistoric tableau "2+2 = 4" was accurately modeled by the beasts, even though they were too stupid to know it and even though no humans were there to observe it. The symbols for this equality are, obviously, human creations, and our mental concepts of two, four, plus and equals are by definition mind-dependent. If mathematical structure is taken to mean only what is inside the brains of those who do mathematics, it is as trivial to say all mathematics is mind-dependent as it is to define sound as a mental phenomenon, then proclaim that the falling tree makes no sound when nobody hears it.»
Martin Gardner, The night is large (1996)


Euphorbia helioscopia

As eufórbias são prova de que existe um mundo exterior à nossa consciência colectiva que exibe uma ordem e uma sabedoria, digamos, que transcende a experiência humana e a cultura matemática. E é à nossa criatividade que se impõem estes padrões vegetais, que não são invenção nossa. Atentemos, por exemplo, na inflorescência de Euphorbia helioscopia.

As flores são verdes mas de um tom alface que as destaca da folhagem. Cada estrutura floral tem uma flor feminina e várias masculinas, reduzidas aos orgãos essenciais que vivem dentro de um invólucro de brácteas (iguais às folhas) que é encimado por glândulas amarelas. Mas o aspecto vistoso, globular, da cimeira é obtido por duplicação destes invólucros até ao do topo onde a flor se instala, princípio que os artesãos russos usam nas matrioskas. O resultado é uma pista de aterragem apelativa onde sobressaem pingos de néctar que brilham ao sol.

É um alívio acreditar que, se a humanidade desaparecer, o universo mantém em exibição coisas verdes, quadradas, redondas, espiraladas, bonitas, boas - e que os teoremas de matemática continuam válidos, mesmo que ninguém os enuncie.

25/02/2008

Rio amarelo



Rio Tâmega: mimosas (Acacia dealbata), pinheiros-bravos e tojo

Não sabemos até onde vai o caminho que, partindo do Parque Florestal de Amarante, acompanha, pela margem esquerda do rio, o curso descendente do Tâmega. Talvez ele se prolongue até Marco de Canavezes e depois continue até Entre-os-Rios, onde o Tâmega entrega a alma ao Douro. Seriam trinta quilómetros bem puxados numa paisagem que de bucólica já tem pouco: casas em desalinho, uma pista para jogos aquáticos, viadutos de auto-estrada, uma barragem mais adiante para completar o estrago. E, incessante como o azul do rio, corre a seu lado o amarelo das mimosas em flor. Existem outras árvores à beira rio - salgueiros, choupos, amieiros -, mas na disputa territorial a vantagem das acácias é avassaladora; e, quanto mais progredimos rio abaixo, mais se acentua o seu domínio.

Se a vegetação arbórea nos causa justificado desgosto e não nos entusiasma a ir muito longe, o caso muda de figura se estivermos atentos à vegetação rasteira. Já aqui encontrámos várias dezenas de espécies autóctones, na sua maioria herbáceas (géneros Campanula, Chelidonium, Geranium, Lamium, Leucanthemum, Linaria, Lithodora, Myosotis, Omphalodes, Pentaglotis, Ranunculus, Saxifraga, Silene, Viola, entre muitos outros) mas também lenhosas (Calluna, Cistus, Erica). Como nem todas dão espectáculo na mesma época do ano, o nosso regresso é sempre premente. E há um dilema que nos perturba: é óbvio que urge intervir para controlar a praga das mimosas; mas, se alguém se lembra de lançar uma requalificação tipo Polis, não só desapareceriam as mimosas como seria desbaratada toda esta riqueza vegetal que passa despercebida aos olhos de muitos.

24/02/2008

Prelúdio


Helleborus orientalis

....Cem astros verdes
....sobre um céu verde
....não vêem cem torres
....brancas entre a neve.

....E esta minha angústia,
....para torná-la viva,
....hei-de decorá-la
....com rubros sorrisos.

Federico García Lorca (trad. de José Bento)

22/02/2008

Balm-leaved figwort


Scrophularia scorodonia

Desde há cerca de um mês os jardins do Palácio de Cristal deixaram de ser (mal)tratados pela Porto Lazer, estando agora no regaço do Pelouro do Ambiente da Câmara do Porto. Descontentes com esta mudança ficaram a hera e a tradescância que revestiam gulosamente torrões e troncos. A respirar melhor estão magnólias, azereiros, caneleiras, aucubas, rododendros, áceres. Agradecido, o chão deste jardim estendeu um tapete vermelho, feito de centenas de camélias, a estes jardineiros zelosos, desejando, como nós, que a jardinagem incompetente seja assunto do passado.

Neste cenário airoso, certamente a horta passará a receber tratamento regular para que a variedade de herbáceas que a preenchem não seja comprometida pelo descuido. E para que possamos, como na nossa última visita, ser agradavelmente surpreendidos. O que encontrámos? Uma erva alta, com caule avermelhado de secção quadrada (por isso desconfiámos tratar-se de uma Scrophularia), folhas emparelhadas e semelhantes às da erva-cidreira (Melissa officinalis), com espigas de flores de corola globosa amarelada e cinco lóbulos, dois deles de cor púrpura lembrando orelhitas espevitadas.

A Scrophularia scorodonia é espontânea no oeste europeu, até ao sul de Inglaterra, apreciando solos húmidos. Tem tradicionalmente usos medicinais, e outros mais misteriosos que justificam a designação popular erva-do-mau-olhado, a que decerto não é indiferente, tal como ao epíteto scorodonia, a semelhança dos frutos com cabeças-de-alho.

21/02/2008

O que eu cresci para aqui chegar


Cycas revoluta

Com os ginkgos, as coníferas e os fetos arbóreos, as cicas completam a lista das plantas ainda existentes que foram contemporâneas ou até anteriores aos dinossauros. Cica é o nome comum genérico para as plantas da ordem das Cycadales, que inclui a família Cycadaceae (de que o género Cycas é o único representante) e uma dezena de outras, como a Zamiaceae (de que já aqui apresentámos o género sul-africano Encephalartos).

A semelhança das cicas com as palmeiras é notória: em ambas há um tronco (ou espique) cilíndrico encimado por uma coroa de folhas; um dos nomes vernáculos da Cycas revoluta em inglês é até sago palm. Mas a botânica não se governa com parecenças superficiais, e na verdade as palmeiras e as cicas situam-se em extremos opostos da cadeia evolutiva: mais modernas do que as palmeiras só mesmo as gramíneas.

Das mais de 90 espécies que integram o género Cycas, só a C. revoluta, de origem japonesa, é vulgar em Portugal, talvez por ser a que melhor se adapta a climas temperados (a maioria das outras são de regiões tropicais da África, Ásia ou Oceânia). São plantas que crescem devagar - e as do Jardim Botânico de Coimbra, pelo porte que exibem (são talvez as maiores do país), devem há muito ter ultrapassado um século de vida. A Manuela publicou há tempos expressivas fotos de um desses pequenos gigantes, mostrando também uma inflorescência feminina com os óvulos alaranjados envolvidos por um curioso ramalhete felpudo. O exemplar de hoje, mais frondoso, vive encostado a uma das paredes da estufa fria, na parte do jardim vedada ao público.

20/02/2008

Exposição de camélias no Porto


Camélias da Quinta de Santo Inácio (Gaia)

Organizada pela secção portuguesa da Sociedade Internacional das Camélias, o Porto terá nos próximos dias 1 e 2 de Março (sábado e domingo) a sua Exposição de Camélias. Não no Mercado Ferreira Borges, lugar onde tradicionalmente ela tinha lugar, nem no Palácio do Freixo, para onde se transferiu em 2007, mas sim num local algo surpreendente: no antigo edifício da Faculdade de Ciências (e actual reitoria da Universidade do Porto), à Praça dos Leões. Como já sucedeu nas duas últimas edições, trata-se de uma exposição e não de um concurso. Mas é sempre uma óptima oportunidade para conversar com quem cultiva (e, em certos casos, também vende) a mais admirável flor dos nossos jardins. A abertura ao público da exposição é às 14h00 de sábado.

19/02/2008

Sombreiro



Petasites fragrans

A primeira surpresa é que estas flores não sejam seres marinhos, habitantes de recifes. A segunda é que a Petasites fragrans, pertencendo ao reino vegetal, esteja na família das banais margaridas. Para reforçar o nosso espanto, é uma planta dióica mas com inflorescências femininas quase idênticas, em formato, às masculinas, ambas rescendendo um aroma doce de baunilha. E, ao contrário dos gatos, não têm uma patinha que se levante para tirar dúvidas.

No sudoeste europeu há três espécies endémicas de Petasites, sendo a P. hybridus (que não é um híbrido) melhor adaptada às margens de rios, a P. albus mais frequente nas montanhas e a P. fragrans, que aprecia zonas húmidas e de sombra, a mais comum por cá, onde é também conhecida como erva-de-S.Quirino. As outras 16 espécies deste género distribuem-se por regiões temperadas da Europa, China e Japão.

Pétaso é um tipo de chapéu da Grécia Antiga com aba larga e copa cónica, feito em geral de palha ou feltro - ou, com a imaginação da alta costura, das folhas basais, redondas e largas desta planta.

18/02/2008

Pôr-do-sol no Cabo


Leucadendron salignum

Quando a prenda é fracota, talvez um embrulho vistoso a faça mais atraente. A forma como esta planta resolveu apregoar as suas flores mostra que tal estratégia vale também no reino vegetal. A inflorescência é essa «pinha» de um verde azulado salpicada com fiapos amarelos; mas o embrulho, formado por folhas modificadas (brácteas) tingidas com as cores do pôr-do-sol, é chamariz de longo alcance.

A inflorescência da foto é feminina, daí se deduzindo que a própria planta é feminina; o pólen para a fecundar terá que vir das flores de uma planta masculina, pois a Leucadendron salignum é uma planta dióica, como aliás o são todas as suas congéneres (de que há cerca de oito dezenas). Mas, como no canteiro do Botânico de Coimbra onde ela mora não parece haver outra igual, seja ela menino ou menina, ainda há-de morrer virgem - embora nunca desista de se embonecar.

Os géneros Leucadendron, Protea e Leucospermum, todos eles sul-africanos e integrando a família Proteaceae, são casos de sucesso global em jardinagem. Mais delicados e de cultivo mais exigente do que os seus primos australianos (géneros Hakea, Grevillea e Banksia), têm sabido comportar-se nos países de acolhimento, não se lhes conhecendo tendências invasoras. No caso do Leucadendron, além de a produção de sementes depender da presença lado a lado de plantas dos dois sexos, elas têm relutância em germinar: no habitat natural da planta, só costumam fazê-lo após algum incêndio.

Há muitos cultivares ornamentais do género Leucadendron, e por isso a identificação da planta na foto não é segura: tem semelhanças com o «safari sunset», nome que alguém com jeito para estas coisas deu a certo híbrido entre o L. salignum e o L. laureolum.

16/02/2008

Jasminum polyanthum


.....Manhã clara

.....Casas brancas
.....Nuvem branca
.....Pombos brancos
.....Jasmins

.....Tomo nas mãos a primeira folha de papel
.....Que se pode escrever de tão claro?


.....Cecília Meireles (1961)

15/02/2008

Hapu'u pulu

Com o Jardim Botânico de Coimbra fechado ao fim-de-semana por falta de dinheiro para pagar aos vigilantes, visitá-lo é agora mais fácil do que nunca. Esta afirmação nada tem de irónico, e o paradoxo explica-se sem dificuldade: tendo-nos habituado, noutros tempos, a visitar o jardim aos sábados ou domingos, era sempre uma frustração encontrar quase tudo fechado. Na verdade, o jardim não abria: fingia abrir, mas os portões da mata, das escolas sistemáticas e das estufas nunca nos eram franqueados; restavam-nos o quadrado central e o fraco consolo de avistar ao longe plantas e flores que a distância nos impedia de identificar. Agora, porém, quem quiser tão só entrar no Botânico de Coimbra tem mesmo que ir à semana; e, se puxar conversa com os simpáticos jardineiros, ganha acesso livre aos locais, normalmente vedados ao público, onde eles estiverem a trabalhar. Foi com esse estratagema que, pela segunda vez na vida, penetrámos na proibidíssima mata e pudemos enfim fotografar o célebre bambuzal (da primeira visita, por imprevidência nossa, não guardámos registo). É também na mata que se situa um dos melhores miradouros de Coimbra, abrangendo a baixa da cidade e as duas margens do Mondego. De lá se avista, junto ao rio, um extenso aparcamento ladeado pela impecável alcatifa de um relvado sem sombras, sem flores e sem meandros: é o Parque Verde do Mondego, uma obra tão aliciante para os apreciadores de jardins e da natureza como o CoimbraShopping - que, é bom ressalvá-lo, fica no Vale das Flores.


Cibotium glaucum

Por apenas 2 euros, podemos ainda visitar as estufas sem o frisson da clandestinidade, mas a melhor altura para o fazer é entre Março e Abril, quando a maioria das plantas está em flor. Como explica este texto, a estufa grande está dividida em três corpos, correspondendo cada um deles a um clima diferente: tropical, subtropical e temperado. O terceiro corpo nem sequer é aquecido, e algumas das plantas que lá se encontram (como os hibiscos e as justícias) sobrevivem perfeitamente ao ar livre nos nossos jardins. São os fetos que compõem a parte menos comum e por isso mais interessante desta colecção, com a vantagem suplementar de não hibernarem no Inverno.

Hapu'u pulu é o nome indígena do Cibotium glaucum, feto arbóreo havaiano presente em todas as ilhas desse arquipélago, onde é a espécie vegetal dominante no substracto arbustivo das florestas húmidas. Em inglês chamam-lhe blond tree fern por causa da penugem alourada que reveste as folhas embrionárias e a base das hastes (ou ráquis) das folhas adultas; o epíteto glaucum refere-se ao tom esbranquiçado do verso das folhas (ou frondes). A planta atinge os 7 metros de altura e as suas grandes frondes arqueadas, triplamente pinadas, chegam a medir 3 metros.

O feto-arbóreo-louro esteve na base de uma indústria efémera: a sua penugem sedosa (chamada pulu) foi usada no século XIX como enchimento de almofadas e colchões. Felizmente para a planta, que é de crescimento lento e com frequência era sacrificada para a extracção da fibra, verificou-se que o pulu se desfazia em pó ao fim de poucos anos, o que ditou o fim dessa indústria.

14/02/2008

Amores-quase-perfeitos


Viola alba / Viola riviniana

«An adventure is, by its nature, a thing that comes to us. It is a thing that chooses us, not a thing that we choose. Falling in love has been often regarded as the supreme adventure, the supreme romantic accident. In so much as there is in it something outside ourselves, something of a sort of merry fatalism, this is very true. Love does take us and transfigure and torture us. It does break our hearts with an unbearable beauty, like the unbearable beauty of music. But in so far as we have certainly something to do with the matter; in so far as we are in some sense prepared to fall in love and in some sense jump into it; in so far as we do to some extent choose and to some extent even judge - in all this falling in love is not truly romantic, is not truly adventurous at all.

In this degree the supreme adventure is not falling in love. The supreme adventure is being born. There we do walk suddenly into a splendid and startling trap. There we do see something of which we have not dreamed before. Our father and mother do lie in wait for us and leap out on us, like brigands from a bush. Our uncle is a surprise. Our aunt is, in the beautiful common expression, a bolt from the blue. When we step into the family, by the act of being born, we do step into a world which is incalculable, into a world which has its own strange laws, into a world which could do without us, into a world that we have not made. In other words, when we step into the family we step into a fairy-tale.»

G. K. Chesterton, On the institution of the family (1905)

13/02/2008

Pereira em flor


Qian Xuan (c. 1280)


«Enquanto que as pereiras europeias terão evoluído a partir da Pyrus communis, as pereiras chinesas são um pouco diferentes e pensa-se que são híbridos da P. pyrifolia e da P. ussuriensis. (...) Em particular, quase todas as pêras chinesas são amarelas e ovais. (...)

A pereira tem vida longa; e, como se conhecem árvores com 300 anos que ainda dão fruto, ela é um dos símbolos da longevidade. A história regista que o Duque de Shao conduziu um julgamento imparcial debaixo de uma pereira em 1053 aC, e por isso essa árvore também simboliza a governação justa e benevolente.

Como os caracteres para "pêra" e "partir" se pronunciam do mesmo modo, é costume não se comerem pêras em casamentos ou antes de alguma despedida. E, em resultado de um dos imperadores da dinastia Tang ter fundado uma escola de música num pomar de pereiras, os artistas do palco são conhecidos como a "irmandade do pereiral".»

Peter Valder, The garden plants of China (1999)

12/02/2008

Belas e senões


Berberis darwinii - Parque da Lavandeira (Gaia)

A designação Berberis foi proposta por Lineu para a B. vulgaris e posteriormente estendida às outras três espécies europeias, de folha caduca, B. cretensis, B. aetnensis e B. hispanica. O epíteto específico da Berberis darwinii, de floração temporã e especialmente adaptada à Patagónia montanhosa e húmida, homenageia Charles Darwin, que a colheu em 1835 na América do Sul. Como outras Berberis, tem estames sensíveis: basta tocar-lhes para que espiralem e recuem para dentro da flor, o que assegura o bom nome de bela tão tímida, e uma polinização mais caseira pelos insectos que a visitam.

Recebeu da Royal Horticultural Society um First Class Certificate em 1967 e, em 1984, um Award of Garden Merit. Motivos apresentados pelo júri: folhagem perene e densa desde o pé da planta, atributo apreciado em sebes; flores de um laranja luminoso e de longa duração; bagas azuladas comestíveis (embora a semente seja grande e a polpa ácida, consumindo-se melhor em compota); e a presença de berberina, alcalóide com reconhecido efeito antibacteriano.

Mas tem um defeito: é invasora séria em vários ecossistemas. O sucesso da sua expansão deve-se à frutificação abundante que ocorre no Verão antes da maioria das outras espécies - sendo nessa altura alimento exclusivo de muitos pássaros, que retribuem disseminando-a -, e à taxa elevada de germinação mesmo em condições adversas de luminosidade.

11/02/2008

Amieiro florido


Amieiro (Alnus glutinosa) no Parque da Lavandeira (Gaia)

Embora menos chamativos do que as magnólias ou as amendoeiras, também os amieiros que encontramos junto aos cursos de água florescem no Inverno, quando estão despidos de folhas. À semelhança do que sucede com árvores como os carvalhos, castanheiros, salgueiros e bétulas, as flores do amieiro têm funções especializadas, podendo ser masculinas ou femininas: as primeiras dispõem-se em longos cachos pendentes, chamados amentilhos, que parecem candeias penduradas nos galhos nus da árvore; as segundas formam pequenos botões de um vermelho aveludado. Quando os amentilhos tiverem libertado todo o seu pólen, dão por concluída a sua missão e desprendem-se da árvore; as inflorescências femininas, por seu turno, persistem nos ramos depois de fecundadas, transformando-se nas pequenas «pinhas» lenhosas que contêm as sementes.

10/02/2008

O exemplo das amendoeiras


Prunus dulcis

«Rubem Braga, que fez da amendoeira uma de suas musas inspiradoras, dizia que elas são "árvores desentoadas". Nunca estão de acordo entre si. Não se vestem nem se despem por igual. A da esquina ainda está frondosa, cheia de viço, mas a sua vizinha parece uma decoração de Copa do Mundo: há tantas folhas verdes quanto amarelas. De cima, posso jurar que alguém, ou ela mesma, as arrumou assim, pregando nos galhos folha por folha. (...)

Um dia liguei para o Velho Braga perguntando como isso acontecia. Ele não usava as plantas apenas para fazer crónicas poéticas. Era amante e também um grande conhecedor de sua alma e humores. (...) A resposta foi que as amendoeiras eram como a gente: cada uma envelhecia com a idade, conforme o dia de nascimento - com a vantagem, bem entendido, de que a cada ano fenecem, mas também renascem. A partir de então continuo olhando para as amendoeiras da rua com carinho, mas também com inveja. Fiquei imaginando como seria chegar todo o ano a junho, mês em que nasci, um lixo: cabelo caindo, pele enrugada, gordura na cintura, tudo despencando. Como hoje. Aí me refugiaria em casa e hibernaria, aguardando a muda. Um ano depois, que fosse em agosto, ou setembro, faria minha
rentrée triunfal, novinho em folha. (...)

Se pudesse inscrever um sonho no rascunho do genoma, para constar do texto final, não seria o da imortalidade. Nada de estender a vida, como muitos desejam. Se eu pudesse escolher, eu preferiria esticar a juventude.»


Zuenir Ventura, Melhores crônicas (2004)

08/02/2008

Erva de caule oco


Phyllostachys bambusoides

Os pilares desta abóbada do Jardim Botânico de Coimbra têm cerca de 150 anos, revestindo um hectare com a espécie chinesa de bambu gigante, Phyllostachys bambusoides, da mesma família do trigo, centeio, aveia e demais cereais. Em média, os caules têm uns 20 m de altura e 9 cm de diâmetro, tendo crescido cerca de 30 cm por dia na primeira semana de vida. Dão agora corpo às palavras de Eugénio de Andrade: «O verde dos bambus mais altos é azul ou então é o céu que pousa nos seus ramos». Neste país da relva, do eucalipto e do desperdício de água, é embaraçoso verificarmos que já fomos mais sábios a construir, e apreciar, jardins.

Nunca vimos um destes exemplares em flor - a qual, como a da relva, é discreta e reduz-se a estames e anteras, com duas brácteas a resguardar o conjunto, o bastante para a polinização pelo vento. E, em certo sentido, ainda bem. É que, sendo plantas rizomatosas, reproduzem-se vegetativamente, formando florestas de clones que, por isso, exibem uma floração gregária, em simultâneo; e depois de florir, a planta morre. Dir-se-ia que, ultrapassada a fase primitiva em que as plantas não possuíam flores, e aquela posterior em que todas elas se enfeitavam com flores garridas, vieram os tempos modernos em que as plantas têm, como certa escola de arquitectos, vergonha de as mostrar.

Um bambuzal como este exige manutenção adequada, para assegurar a humidade certa a estas ervas altas e as defender dos textos que anónimos apaixonados, ou visitantes deslumbrados, inscrevem nos seus tubos. Apesar de ser de folha perene, em climas mais frios parte da folhagem cai para proteger os pés dos bambus, renascendo na Primavera em leques exuberantes. E há usos tradicionais para as várias partes dos bambus: os rebentos são comestíveis e importante fonte de fibra (embora sejam pouco nutritivos e por isso os pandas consomem grandes quantidades deles); os tubos são amplamente usados na construção civil e em instrumentos musicais de sopro; a cobertura macia das canas é transformada em pasta de papel; e são raros os jardins chineses sem um recanto ornamentado com um bambu, junto a um muro e rochas harmoniosamente dispostas, a sugerir uma pintura.

07/02/2008

Feto-do-botão


Woodwardia radicans (L.) Sm.

Esta planta não está incluída na categoria dos fetos-arbóreos, ainda que por vezes eleve a sua coroa de frondes (nome técnico das folhas dos fetos, neste caso duplamente pinadas e muito compridas) bem acima do solo. Ao que parece, ser chamado de feto-arbóreo é título de nobreza reservado às famílias Dicksoniaceae e Cyatheaceae, preponderantemente originárias da Ásia e da Oceânia; é à primeira delas que pertence a Dicksonia antarctica. O feto-do-botão, europeu como é, pertence à família errada; embora, na verdade, seja mais atarracado do que os seus irmãos orientais. Convém, a propósito, esclarecer que os «troncos» que alguns destes fetos de grande porte formam não são lenhosos nem engrossam com a idade: são simplesmente uma amálgama fibrosa de raízes; por isso, muitos deles sobrevivem com facilidade se forem decapitados e a parte superior posta a enraizar.

Para que haja reprodução por via sexual, a maioria dos fetos exige a presença da água; quando ela falta, há que optar por outras vias. O feto-do-botão reproduz-se vegetativamente de um modo muito original, fazendo brotar novas plantas na extremidade das frondes (veja aqui o embrião de uma delas).

O feto-do-botão é espontâneo em ravinas arborizadas húmidas no sul da Europa, e também nos Açores, Madeira e Canárias. No norte do país, por exemplo, é ainda possível encontrá-lo na mata da Albergaria. Dizemos ainda porque a espécie está ameaçada de extinção em Portugal continental, dela restando cerca de 2500 indivíduos distribuídos por seis populações, quatro das quais no Parque Nacional da Peneda-Gerês (informações colhidas aqui [PDF]). Os exemplares acima foram fotografados na ilha Terceira.

05/02/2008

Disfarces

Tem mais samba no encontro que na espera.
Tem mais samba no porto que na vela.
Tem mais samba o perdão que a despedida.


Chico Buarque



Sempervivum montanum

Espontânea nos Alpes e Pirenéus, esta planta suculenta hibrida facilmente, gerando até cultivares triplos. A folhagem em roseta é penugenta, com um agasalho em teia de aranha que retém a humidade; o porte é semelhante ao do pinheirinho-das-areias; e as flores aveludadas, de cálice reduzido, são a coroa perfeita para o Rei Momo.

O Portugal Botânico de A a Z chama-lhe sempre-viva, designação que vai bem com as folhas carnudas e persistentes; mas o dicionário de latim informa que Sempervivum é a planta que em português se chama sempre-noiva. Uma opção taxonómica aceitável, se não a associarmos à pavorosa Miss Havisham, a eterna noiva de Great Expectations que Charles Dickens reduziu a um vestido de rendas amarelecido e a um plano de vingança que enreda Pip, o menino que sofrerá por orgulho. Arrepiante até como enredo de Carnaval.

04/02/2008

Pinheirinho-das-areias


Sedum sediforme

Ainda que fora de época, uma vez que ela floresce no Verão e as fotos, tiradas em São Jacinto, são de Julho passado, é oportuno mostrarmos agora esta planta espontânea em Portugal que aqui mencionámos, assim completando a lição sobre o género Sedum. Ambos os nomes por que ela é conhecida - erva-pinheira e pinheirinho-das-areias - aludem ao porte erecto das suas hastes florais, mas só o segundo a liga ao seu habitat dunar, que abrange toda a costa portuguesa e também o Mediterrâneo.

03/02/2008

Cyclamen persicum



«Tive uma vez um ciclamen num vaso. Quando eu chegava a casa a partir de algum tempo as flores viravam-se para mim, seguindo os meus movimentos. Que extraordinário, pensava eu então, bastante comovida. Mas um dia descobri que o anidrido carbónico que eu exalava era o que as movia. Fiquei desolada. Mas sem razão. Tudo o que é vivo quer viver.»

Ana Hatherly, 445ª tisana

01/02/2008

Roteiro de ninfas



Acmena smithii

Acmena deriva do grego akmaios que significa «no máximo vigor». Mas Acmenae é também outro nome para Afrodite, a deusa grega do amor que, como a palavra indica, nasceu da espuma do mar, filha de Zeus e Dione, a deusa dos carvalhos. E num banho de espuma é onde parecem estar mergulhados durante todo o Verão os espécimes de Acmena smithii: as inflorescências são paniculadas, as flores têm quatro ou cinco pétalas minúsculas e, como é usual nas mirtáceas, exibem numerosos estames em penachos. Esta exuberância alva e perfumada dá lugar no Inverno a mini-rabanetes suculentos, comestíveis mas ácidos, que mancham a árvore de roxo.

Das cerca de quinze espécies do género Acmena, nativas da Austrália e do sul da Ásia, a A. smithii (ali tratada carinhosamente por lilly pilly) é das mais rústicas, servindo mesmo como quebra-vento. No Porto há exemplares de grande porte no Palácio de Cristal, no Colégio de N.S. de Lurdes e no Jardim Botânico (foto em cima). A placa que identifica este último tem ainda inscrito o nome Eugenia smithii, designação que os cientistas revogaram em 1938: com excepção de uma, as espécies de Eugenia foram transferidas para os géneros Acmena, Acmenosperma, Syzygium e Waterhousea.

Sir James Edward Smith (1759-1828) foi botânico inglês, um dos fundadores da Linnean Society e autor da obra English Botany, em 36 volumes.