Portal da felicidade
Na avenida do Boavista, no Porto, mesmo à frente do Hospital Militar, um condutor imobilizado no trânsito pode aproveitar a espera para esticar o braço e colher uma laranja. Infelizmente, o trânsito citadino não induz ao relaxamento, e os condutores não têm o hábito de descolar os olhos dos semafóros para inspeccionar as árvores que desfilam no separador central da via. É pena. Mesmo que a laranja não seja comestível (quantas toxinas terá ela na sua composição?), o acto de colher a fruta da árvore recupera a nossa primordial e quase esquecida ligação às coisas vivas da terra. As laranjeiras não estão ali para enfeite nem para nos dar sombra. São laranjeiras pedagógicas. Encerram uma lição.
O automobilista é atingido, como São Paulo na estrada de Damasco, por uma revelação que o atordoa; só não cai porque está sentado e pôs cinto de segurança. Quando foi a última vez que se viu diante de uma galinha não depenada nem embalada em celofane? Sabe vagamente que as macieiras dão flores perfumadas, mas não se lembra de alguma vez as ter visto ou cheirado. E as margaridas e as papoilas, que pecados são os dele para estar impedido de ir ao campo admirá-las?
Há que mudar de vida, diz ele para consigo. Nada de muito radical, trata-se apenas de abrir um ou dois furos para respirar no manto de artificialidade que nos sufoca. Não é da Felicidade com F maiúsculo que vamos à procura, mas de algumas felicidades modestas e portáteis com assinalável efeito cumulativo.
Ajuda saber dar nome às plantas, pois quando elas saem do anonimato a paisagem ganha profundidade e ressonância. Nomeá-las pela primeira vez é inaugurar uma relação de amizade que se fortalece a cada reencontro. Ao dar-nos a conhecer os nomes das plantas (e as suas relações de parentesco, e os lugares onde vivem), o portal Flora-On, criado pela Sociedade Portuguesa de Botânica, multiplica a probabilidade de encontros felizes. Por isso o Flora-On é também o portal da felicidade.
Nota. Este texto é inspirado na intervenção de Carlos Aguiar aquando da sessão de apresentação do Flora-On, que decorreu na tarde de 25 de Fevereiro, no Museu Nacional de História Natural, à rua da Escola Politécnica, em Lisboa.